domingo, 8 de março de 2009

As faces de 'A metamorfose', ou algo sobre família e infelicidade


Em um livro que não é nem tão curto para ser considerado um conto, nem tão longo para ser considerado um romance, Kafka deflagra a angústia do ser humano diante da pequenez que ele representa para a sociedade em geral. Colocando-se Gregor Samsa como personagem supostamente principal, o autor, ao 'transformá-lo' em inseto, demonstra a inutilidade, imobilidade e asquerosidade daquele homem.
O livro já começa com a apresentação do que se está acontecendo. Logo no primeiro parágrafo, já se sabe que Samsa é qualquer coisa, menos um homem. Em uma análise mais profunda, deve-se verificar tal mutação como meramente simbólica. Ou seja, Gregor Samsa sempre foi um inseto para ele mesmo e sua família, principalmente. Ao ser um caixeiro-viajante, ele não conseguiria criar laços muito fortes com nenhuma pessoa, pois logo estaria em outro local. Seu único 'porto seguro' seria em casa, onde deveria entregar suas economias ganhas, para a satisfação e sustentação do seio familiar. Ele não gosta de seu emprego, mas obriga-se a ser eficiente, pensando nos outros, não em si, não em sua satisfação pessoal, sua autoafirmação.
Quando os parentes começam a bater em sua porta, o fizeram porque o patrão do filho estava na casa, cobrando satisfações. Gregor perder o emprego seria algo impensável para todos.
'A metamorfose', escrito no início do século XX, quando o modelo de produção fabril mundial era o Fordista, que dava prioridade para a produção máxima. Tal modelo só se mostraria relativamente decadente com a Crise de 1929. Sendo assim, consegue-se fazer um paralelo com a obsessão pelo trabalho dos personagens.
Gregor, já fisicamente transoformado, não conseguia se comunicar de maneira satisfatória com a família. Quando ele possuía uma intenção, na maioria das vezes boa, para com os outros, eles não compreendiam. Por exemplo, quando ele tenta pegar sua irmã, que está tocando violino na sala, era apenas para salvá-la do constrangimento. Mas seus pais viram em tal atitude algo de errado. Isso demonstra, psicologicamente, a falta de acesso entre familiares. Hoje em dia, queixam-se que o computador e televisão afastam pais e filhos, criam barreiras. Mas nos anos 1910 e em todas as outras épocas, já existiam e sempre existirão problemas nessa área.
Os pais nunca ficaram satisfeitos com as atitudes de Gregor. Vide quando reclamaram que a casa em que moravam era grande demais. A impressão que se tem é a de que os pais o odeiam ao ponto de poderem achar que Samsa tranformou-se em insete, ou o que o valha, apenas para atormentá-los.
O inseto ainda luta, ou ainda possui naturalmente, uma humanidade. Isso é evidente no que diz respeito à sua alimentação e seus pensamentos. Ao mesmo tempo que ainda tem noção de si mesmo como pessoa, ele vai deixando de comer os alimentos que geralmente homens comem. Desta forma, gradativamente, Samsa vai se transformando mais e mais inseto.
Sob certa ótica, a única pessoa que o 'suportava' era a última empregada doméstica que tiveram. Ela que avisou os pais de sua morte. Ela não tinha nojo dele, como os outros. Creio que ela saiu da casa diante da indiferença dos outros familiares para com Gregor.
Para finalizar, Gregor nunca mostrou-se independente e com vontade própria. Antes de se ver inseto, sempre o foi de fato.
E quem é o verdadeiro personagem principal da estória? Gregor Samsa, que morre antes do final do livro, ou a família dele, que vê-se feliz e finalmente realizada após a morte do mesmo?

Nenhum comentário: