segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Cotidiano


De manhã eu tenho raiva, de tarde eu tenho fome, de noite eu tenho taquicardia, de madrugada eu choro.

domingo, 30 de outubro de 2011

Mini-curso sobre Clarice Lispector


Perfil de Chaya Pinkhasovna

Clarice Lispector não se chamava Clarice Lispector. Vinda ao Brasil com apenas dois meses, sua origem judaico-ucraniana se fez presente em toda sua obra literária, em traços de estrangeirismo e deslocamento. Formada em Direito pela Universidade do Brasil, na década de 1940, começou a publicar seus escritos a partir de 43. Vinda do Recife judeu, aportou com a família no Rio de Janeiro e trabalhou pouco tempo como advogada em um estágio. No princípio da carreira, antes de se dedicar exclusivamente à literatura, foi jornalista. Casou-se com um homem que a fez viajar o mundo. Como embaixador, ficou com a família na Europa da Segunda Guerra Mundial. Com ele, Clarice teve dois filhos: Pedro e Paulo. O mais velho, Pedro, demonstrou durante a infância uma grande capacidade de aprendizado, mas na adolescência, com sintomas como desatenção e depressão, foi diagnosticado com esquizofrenia. Genético? Clarice e sua obra artística, essências inseparáveis, são extremamente melancólica, solitária e introspectiva. Nela, se vê, segundo seu mais famoso biógrafo, Benjamin Moser, o eterno peso pela morte de sua mãe e a consequente descrença em Deus, por não tê-la salvo do fim. Apesar de conflitante entre os biógrafos, divulga-se que a mãe morreu em decorrência da sífilis, adquirida durante os “pogrons” (invasões soviéticas) na Ucrânia natal. Os oficiais do exército da União Soviética supostamente violentaram Mania sexualmente e a doença alguns anos depois a matou, já no Brasil. Clarice sente-se culpada, pois nasceu saudável e a mãe não teve a mesma sorte. A escritora, enfim, separa-se do marido e vai viver a uma quadra da praia do Leme, com os filhos. Autora já consagrada, com mais de seis livros publicados, como “Paixão segundo G.H.” e “Perto do coração selvagem”, Clarice passa a ser colunista do tradicional “Jornal do Brasil”. Seus fãs, que a consideravam mística, a solicitavam, enquanto ela propagava seu mistério de viver, em uma prosa poética. Fumante inveterada, um dia, depois de escrever durante a madrugada, adormece com o cigarro aceso. Seu apartamento pega fogo e seu rosto fica desfigurado. Começa a definhar mais a partir daí. Além do marido, apaixonou-se pelo escritor Lúcio Cardoso, autor de “Crônica da casa assassinada”. Ele, homossexual. Ela, o amou sempre e não há registros de outros romances, apesar de sua beleza exótica. “A hora da estrela” foi seu último romance. Lançado em 1976, é hoje o mais conhecido dentre todas as suas crônicas, prosas e contos. Morreu de câncer aos 57 anos, em 1977. Fez de sua obra sua vida e vice-versa, já que “escrevo por não ter nada a fazer no mundo. Sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens. Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado. Não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias. Mas preparado estou para sair discretamente pela saída da porta dos fundos. Já experimentei quase tudo, inclusive a paixão e o seu desespero. Agora, só quereria ter o que eu tivesse sido e não fui.” (“A hora da estrela”, página 21) Morreu em 09 de dezembro, um dia antes de fazer aniversário. Não pôde ser enterrada no dia seguinte, pois caiu em um “shabat”. No dia onze, foi enterrada no Cemitério Israelita do Caju, com as inscrições em hebraico: “Chaya bat Pinkhas Chaya filha de Pinkhas”.

sábado, 29 de outubro de 2011

Um resultado de nação


Esta resenha tem como objetivo demonstrar e criticar as relações existentes entre os textos lidos de Josué de Castro, Sérgio Buarque de Holanda e José Murilo de Carvalho. Portanto, diante dos temas gerais abordados em “Fome: um tema proibido”, “Raízes do Brasil” e “Os bestializados”, se compreendeu que a soma dos dois estudos apresentados pelos últimos têm como resultado o relato confessional de Castro. Ou seja, diante da soma de uma lógica deturpada de política e de assistência à população (o povo excluído das decisões políticas e de sua efetivação; um retrógrado coronelismo e compadrio familiar, que resvala nas relações não-familiares; e conceito de cordialidade, sincretismo e informalidade do povo brasileiro) têm-se por resultado a pobreza do brasileiro, a fome endêmica e um subdesenvolvimento tratado diante de auxílios pontuais embasados nas mesmas políticas deturpadas que o causaram. Então, um problema que não será resolvido sem uma mudança radical nas estruturas básicas de poder e cultura.

Por meio de um texto que esmiúça a formação social brasileira, Holanda afirma que, ao longo de nossa história, há o “predomínio constante das vontades particulares que encontram seu ambiente próprio em círculos fechados e pouco acessíveis a uma ordenação pessoal” (página 146). Roberto daMatta, em artigo no jornal “O Globo” (26 de outubro de 2011), concorda com este pensamento: “(...) o Brasil resiste a essas sociabilidades igualitárias, impessoais, baseadas em escolhas e compromissos sempre públicos – esse relacionamento clubístico e partidário, mais universalista do que particularista, íntimo e pessoalizado.” No entanto, Holanda indica que a forma como somos conhecidos entre si mais através do primeiro nome demonstraria uma relação entre as partes de identidade e pessoalidade, simpatia e concórdia (página 148). Pertence-se a um grupo exclusivo e somos conhecidos através da exclusividade de nossas alcunhas.

Sem citar satisfatoriamente suas fontes, referindo-se a elas superficialmente – “assinala um sociólogo norte-americano” (página 142), por exemplo – vê-se que tal familiaridade gerada através dos dois fatores citados acima desemboca em atitudes imorais arraigadas até hoje: “A escolha dos homens que irão exercer funções públicas faz-se de acordo com a confiança pessoal que mereçam os candidatos, e muito menos de acordo com as suas capacidades próprias” (página 146). Consegue-se, enfim, a ponte entre ele e o estudo de Carvalho, ambos analisando a relação entre o povo e o Estado. Diante das premissas apresentadas por Holanda, pode-se refletir sobre seus reflexos na sociedade, enquanto que o autor de “Os bestializados” questiona a noção de o “Estado ser apresentado como vilão e a sociedade como vítima indefesa” (página 10). Esta concepção, relacionada à política de comunicação, resvala na propagada noção de mídia estatal ser sinônimo de domínio e narcotização do povo, assim como na relação feita pela mídia civil, onde regulamentação da comunicação social no país é tida como sinônimo de censura de imprensa. No entanto, sua argumentação demonstra que houve grande repressão das forças políticas e que repúblicas foram renegadas pela República (página 41), em sua análise do período de transição entre Império e República (final do século XIX e início do XX, no Rio de Janeiro).

Holanda chega à política também através da religião, onde ressalta mais uma vez uma conhecida noção de brasilidade: o sincretismo religioso. Afirma ter o brasileiro uma “religiosidade de superfície” (página 150), sem rigor, organização e forma definida, católica ainda que com muitas outras coisas junto. Diz, então, que não surpreende a Independência e República terem sido proclamadas por positivistas, agnósticos e maçons, que dão mais atenção à razão e vontade que ao sentimento e sentido. Entende-se, em suma, que catolicamente continuaríamos mais atrasados e dominados que já somos. Em Carvalho, para embasamento de suas ideias, enumera vários episódios cariocas que refletem relação entre sociedade militar (política), imperial (religiosa e política) e civil. Ao fim da leitura, entende-se ainda mais como correta a concepção de política elitista feita pela população elitista, deixando o povo à margem, em diferentes níveis, da cidadania.

Em suma, Holanda dá um panorama amplo da sociedade, a partir de suas concepções antropológicas, enquanto Carvalho de certa forma aplica estes conceitos em casos de exemplificação, contemporâneos ao período de transição de regimes. Os conceitos de ética e vida demonstrados por Holanda são vistos e ratificados em situações concretas vividas pelo povo e elite retratados por Carvalho: o primeiro teoriza e o segundo aplica. Amostras de relações arbitrárias das autoridades para com a população carioca empobrecida e de estratégias governamentais para deixar seu trabalho mais eficiente são dadas no texto sobre o Rio de Janeiro e pode-se perfeitamente fazer grandes correlações com os dias de hoje.

Nesse sentido pode-se fazer uma correlação com a questão da habitação na cidade. (página 18) Os imigrantes eram acusados de serem os causados do grande crescimento populacional da cidade, em um quadro explícito de xenofobia, gerando assim um problema de absoluta falta de casas. Com isso, os cortiços se proliferavam, sendo o Cabeça de Porco, em Botafogo, o mais representativo, além do significativo retrato feito por Aluísio Azevedo, em “O cortiço” (página 39). A cidade via esses cenários como propagadores de doenças e sua destruição era determinada. O problema da favelização é, ainda hoje, latente e muito mais preocupante, como também a questão da tuberculose dentro da Rocinha, além das grandes epidemias de dengue, que remetem às grandes viroses alastradas no começo do século passado por falta de infraestrutura e saneamento.

O autor analisa que a república nascente no país não era democrática e a partir daí faz uma maior conexão com a obra de Sérgio Buarque de Holanda, referindo-se aos “costumes mais soltos” do carioca (página 27). Pormenoriza-se nos hábitos sociais do carioca e, portanto, do brasileiro, já que o Rio como capital era exportador de cultura. O jogo do bicho, os capoeiras, o samba, a literatura ilustrativa da época (“Memória de um sargento de milícias”). A cultura do “jeitinho” e do “malandro”, contraventores, reproduzidas na linguagem do cidadão, assim como a cultura da fome é reproduzida na linguagem do nordestinho (Castro, página 33). Por fim, o que hoje se pode ver com o “choque de ordem” (em certos pontos discutível ética e culturalmente para a rotina da cidade) do prefeito Eduardo Paes, era visto com Pereira Passos.

A partir, neste momento, analisando as referências da fome de Josué de Castro, tem-se por explícita a noção de que a fome molda o comportamento humano. Outras formas de “moldura” de comportamento já foram estudadas nos textos de Holanda e Carvalho, mas qual será a de maior impacto para o Brasil, em relação a seu desenvolvimento? O autor de “Geografia da fome”, nordestino, bisavô de Laura de Castro (aluna do 5º período de Jornalismo da UFRJ), traz um relato pessoal e lírico, que poderia muito bem constar dos arautos literários. É, com isso, a mais forte realidade, o mais forte dos trabalhos sociais, já que vivido pelo autor de verdade em sua vida nordestina. Não é um relato com dados, gráficos e estruturas balizadas por grandes estudiosos estrangeiros, como ele mesmo ressalta (página 26), mas por conter a verdade é tão ou até mais relevante. A fome define a vida das pessoas, alcançando seu comportamento diretamente nas canções, na maneira de agir, no linguajar. Fala-se muito da palavra “saudade” ser da língua portuguesa apenas, por ser um sentimento nobre reservado a nós. Mas e as palavras provindas da fome e da miséria?

“Os bestializados” é discutível no que se refere ao fato de considerar que a cultura popular engoliu a cultura das elites (página 41), pois entende-se que o samba e o futebol, citados por ele, foram espertamente mediados pelas autoridades nacionais com fins específicos. O samba, deixando de ser marginal, no período Vargas, e o futebol, como integrador do Brasil, durante a Ditadura Militar, foram mesmo assimilados hoje pela elite diferenciada de Higienópolis? Da mesma forma pode-se debater longamente os estereótipos expostos em “Raízes do Brasil”, como a cordialidade do brasileiro etc. No entanto, sua tese das relações de paternalismo são notórias ainda agora. Destes, então, resulta a política, a economia e a sociedade do Brasil. Uma nação que mantém um alto índice de péssima distribuição de renda e que renegou durante todos os séculos os menos favorecidos, representados por Josué de Castro.

O autor, estudado de modo superficial nas escolas e universidades brasileiras, separa a sociedade em duas (página 29). A primeira, a dos caranguejos, dos mangues. A segunda, a grande sociedade. Para ele, esta sociedade dos caranguejos é fruto de uma estrutura agrária feudal e capitalista (página 30). Através do cancioneiro, da cultura popular tão dita por Holanda, entende-se a necessidade básica do Nordeste, mas em uma visão geral, do brasileiro: a sobrevivência. Isso mais que os interesses familiares e cordiais nacionais e as relações de poder no Rio de Janeiro e as repressões aos malandros da Lapa. A obra de Josué de Castro, o Nordeste de Josué de Castro, é um resultado do capitalismo, do escravismo, do coronelismo, do militarismo, do fluxo de interesses de um Brasil de Sérgio Buarque de Holanda e José Murilo de Carvalho. A essência demonstrada pelos dois últimos é a essência de um Brasil engolido por gente como Sarney e Collor, vindos do Nordeste pobre de Josué de Castro, mas triunfantes por meio do paternalismo da sociedade do Sul.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

De repente, a felicidade


Quando eu penso em nada é quando penso em tudo

Outro dia estava ali e de supetão me veio a Felicidade falar comigo

Em princípio, levei um susto: “Você!”

Acostumei-me, com o tempo, a ela

Felicidade vinha sempre a mim, dar-me bom dia, boa tarde e boa noite

Desde que ela encontrou-me, não quis deixar-me

Vivíamos um romance: Eu e a Felicidade

Ela um dia quis passear comigo pelo parque e comer comigo um sanduíche

Comigo, andamos todo o domingo pela Quinta da Boa Vista, junto da classe média

Em nosso primeiro dia dos namorados juntos, Felicidade deu-me um beijo na boca

À noite, para comemorar, meteu-me tapinha com sua mão em minha nádega direita

Mas passou-se o tempo de nosso romance

Eu fui percebendo que nossa história não estava mais a mesma

Ela começou a deixar de ligar para mim as sextas-feiras pela noite

Pouco depois, parou que falar comigo aos domingos

Percebi que tudo entre nós acabaria mais cedo ou mais tarde quando, no sábado, ela deixou de me querer

E foi assim que eu percebi ser um inconveniente para a Felicidade

Insisti por dias, dias, dias, dias

Felicidade estava melancólica

Acordou um belo dia, virou-se para mim e disse: “Estou partindo para ser de outro.”

E foi assim que eu perdi a Felicidade.