quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Eu me matarei, antes que eu morra


Hoje eu decidi que não posso morrer. Não quero morrer. Eu me matarei, antes que eu morra. Mas a vida é tão bonita e nada pode acabar com ela. O trauma eu posso esquecer, mas eu não posso me esquecer. É de hoje em diante que eu serei o meu Jesus Cristo pessoal. Assim como serei eterno, farei a minha própria bondade, segundo a minha própria ética. É que o meu Jesus ama a todos incondicionalmente e não se esquece de ninguém, neste bolo incluídos os homossexuais, judeus, negros e retardados. É que eu decidi que abrir a minha vida tem que ter um sentido: retirar-me do trauma. Eu não estou morto. Eu estou aqui. Você não me matou. Você não tinha, não tem e jamais terá esse direito. Eu quero mais vida para mim. Desta vez não me anularei. De uma forma segura e feliz, eu quero abraçar. Hoje, eu percebi que se há Deus ele me deu outra chance de olhar. Hoje, eu quero ser gigante. Hoje, eu entendi o esquema da felicidade e amanhã eu colherei os seus resultados. Amanhã para mim será o para sempre e ontem o nunca mais. Eu não sou mais doente, eu me curei.

domingo, 27 de novembro de 2011

A retomada do cinema brasileiro? A expansão do padrão Globo à tela grande


Compreender os artigos analisados nesta resenha crítica significa compreender que a conhecida retomada do cinema brasileiro a partir do ano de 1995 é, na verdade, a tomada do audiovisual pela produtora Globo Filmes, criada em 1997 pelas Organizações Globo “com a finalidade de aglutinar os filmes decorrentes de sua programação aberta, especialmente os destinados ao público infantil.” (SANTOS e CAPARELLI, 2006: 129). “Televisão aberta alavancando o cinema” demonstra que os poucos filmes brasileiros que chegam às telas de cinema com relativo sucesso foram produzidos ou co-produzidos pela Globo Filmes e que, historicamente, desde os anos 1970, as maiores bilheterias do cinema são compostas por filmes de Os Trapalhões, Xuxa e estrelados por Sônia Braga, atriz global de grande sucesso na emissora, como “Dona Flor e seus dois maridos” (1976) e “A dama do lotação” (1978). Entre 1995 e 2004, 92% dos filmes brasileiros de ficção com renda superior a R$ 20 milhões foram produzidos ou co-produzidos pela Globo Filmes (Ilustração 7: 128). Na lista das dez maiores bilheterias de filmes nacionais, seis são filmes de Os Trapalhões e os dois primeiros são protagonizados por Sônia (Ilustração 3: 125). No entanto, a diferença de inserção entre os filmes nacionais e estrangeiros é muito gritante, como em 2005, quando dos 179 filmes lançados, apenas 18 eram nacionais (Ilustração 10: 131). Esta hegemonia da Globo chegou ao ponto de no meio audiovisual considerar-se todo o filme não produzido ou co-produzido por ela como independente.
Demonstrando um contraste em relação ao que se produzia entre os anos 1950 e 60 e ao que se tem atualmente, Ismail Xavier afirma,
Conhecemos os rumos da cultura e da política nos últimos anos que resultaram, para o cineasta brasileiro, neste sentimento de perda do mandato, de fim daquela utopia do cinema moderno. Como decorrência, há um deslocamento da própria auto-imagem dos autores que vivem ainda a política da identidade nacional, da necessidade de um cinema brasileiro, mas não traduzem em seus filmes a mesma convicção de serem os porta-vozes da coletividade. Há exceções, mas este terreno hoje está mais do que tudo incorporado à retórica da Rede Globo de Televisão, com sua versão industrializada e mercadológica do nacional-popular (XAVIER, 2001: 47)
Para complementar este discurso, o artigo de Santos e Caparelli conclui que o resgate do cinema nos últimos anos, a publicidade e a produção televisiva em geral (incluindo aberta e fechada) mostram-se “estreitamente condicionados à identidade de uma única empresa.” (p.137)
A relevância da Globo Filmes no cenário nacional pode ser entendida como mais um sinal comprobatório do papel fundamental que a televisão aberta exerce em relação aos outros serviços audiovisuais. (...) Esta combinação começou a ser formada ainda nos governos militares, mas tem atingido sua maturidade nas últimas duas décadas. (SUZY e CAPARELLI, 2006: 137)
Já Sérgio Sá Leitão, em “A economia do audiovisual do Brasil”, ressalta que hoje em dia há uma grande produção nacional. Segundo ele, foram três em 1992, 51 em 2005 e 70 em 2006 (LEITÃO, 2007: 1) Mas ressalta que isso gera uma crise de superprodução, já que o mercado não absorve completamente o que está sendo feito (p.2). Afirma que faltou ao país, neste período, uma “atenção à ideia de construção de um mercado e à ideia de uma construção de uma indústria” (p.2). Além disso, expõe o curioso fato de no país haver grande penetração das videolocadoras, com pelo menos uma em 77.5% cidades brasileiras, ao passo que as salas de cinema estão concentradas em apenas 8% dos municípios (p.1). “Um rápido olhar sobre a economia do audiovisual no Brasil permite a seguinte constatação: é um mercado concentrado e distorcido” (LEITÃO, 2007: 2). Por mais que não revele explicitamente os nomes das empresas, Leitão afirma que apenas uma rede de televisão por assinatura controla 80% do mercado (NET, das Organizações Globo) e apenas uma emissora de televisão aberta detém 70% do bolo publicitário e 51% da audiência (Rede Globo, das Organizações Globo) (p.2).
É diante desta realidade teórica que se baseia a tese de que a produção brasileira no cinema ainda é muito complexa, ao enfrentar as barreiras dos filmes e da distribuição estrangeira, assim como do monopólio de bilheteria e alcance dos longas metragem produzidos pela Globo Filmes. Por mais que os dados dos artigos não sejam atuais, já que trabalhados sobre os anos de 2006 e 2007, é bem provável que eles não tenham se alterado e o cenário permaneça o mesmo. Enquanto o artigo de Santos e Caparelli teve a intenção de demonstrar que a situação do audiovisual brasileiro sob a ótica da predominância da Rede Globo é “proporcionalmente prejudicial ao sistema democrático” (p.134), Leitão deu um panorama breve da economia do audiovisual, ressaltando seu crescimento, porém sua concentração em certos aspectos. Ambos dão atenção às políticas de comunicação e cultura voltadas especificamente ao audiovisual, no que Santos e Caparelli entendem que este tema sempre foi tratado com muita indiferença no país. “A ausência de visibilidade crítica sobre as questões relativas ao próprio negócio das comunicações configura uma barreira à prática de cidadania no país" (SANTOS e CAPARELLI, p.135). Leitão dá atenção ao fato de, para ele, o cinema brasileiro viver uma “encruzilhada”.
“Ao mesmo tempo em que nós tivemos recentemente, em 2006, a introdução de novos mecanismos de financiamento através de uma Lei que foi aprovada pelo Congresso Nacional sancionada pela Presidência da República (...) nós também estamos assistindo a esse fenômeno da crise de superprodução (p.2) e da dificuldade de colocação dos conteúdos brasileiros.” (LEITÃO, p.3)
Portanto, o texto apresentado em Seminário Internacional de Economia da Cultura por Leitão revela uma visão mais breve e panorâmica, porém não menos correta, que a apresentada por Santos e Caparelli em artigo publicado na Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación. Eles se ativeram a argumentar sobre a predominância da televisão no cinema nacional e como isso não significou uma diversidade e profusão de discursos de produtoras e diretores diferenciados. Com isso, questionam, no entendimento do autor desta resenha, a retomada do audiovisual brasileiro em seu sentido ideológico. Leitão amplia o debate, considerando a questão da televisão digital, das videolocadoras e da pirataria, ressaltando as políticas de incentivo ao audiovisual recentes como um “velho fundo perdido” (p.3), afirmando serem necessários novos instrumentos de financiamento que levem em consideração o risco da atividade.
Em suma, diante da leitura dos argumentos dos trabalhos, sob uma ótica de hegemonia da Rede Globo, vê-se como necessária uma política de comunicação voltada ao audiovisual que se empenha mais fortemente em ampliar seu espaço nas salas de distribuição, fazendo com que se crie a cultura do cinema nacional. Como demonstrado nos artigos, os shoppings concentraram e diminuíram as salas de cinema, além de a maioria dos distribuidores serem estrangeiros e o produto estadunidense muito mais difundido (SANTOS; CAPARELLI, p.132 e LEITÃO, p.2). Ressaltado por Santos e Caparelli, muito da culpa por este cenário foi a da dificuldade de um debate sobre as políticas de comunicação, muito auxiliado pela mídia. Quando se passar a compreender o audiovisual nacional como mais que um mero coadjuvante, o retirando de seus vícios de conteúdo muito oriundos da ideologia Globo, algo pode vir a ser transformado. Algo que está fugindo um pouco deste padrão é o documentário nacional, um produto que, de certa forma, consegue ser mais independente de toda esta esfera e alcança grande prestígio dentro das universidades e da mídia especializada (AROSA, p.3). Porém, é visto apenas em festivais e não consegue lucro diante do mercado (SANTOS e CAPARELLI, p.126). Isso faz com que também haja dificuldades de entrada no estrangeiro.
Bibliografia
1. LEITÃO, Sérgio Sá. A economia do audiovisual no Brasil: Diagnóstico, Avaliação e Perspectivas. In Seminário Internacional de Economia da Cultura: 19 de Jul de 2007;
2. SANTOS, Suzy dos; CAPARELLI, Sérgio. Televisão aberta alavancando o cinema: parceria entre conteúdo nacional e distribuição estrangeira. In Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación Dossiê Especial Cultura e Pensamento, Vol. 1 – Espaço e Identidades: Nov 2006;
  1. XAVIER, Ismail. O cinema brasileiro moderno (página 7 a 50). Editora Paz e Terra: 2001
  2. GOMES, Paulo Emílio Sales. Cinema: trajetória no subdesenvolvimento (página 76 a 83). Editora Paz e Terra: 2001
5. AROSA, Guido. A televisão brasileira no desenvolvimento. Nov 2011. http://guidoarosa.blogspot.com/2011/11/cinema-brasileiro-telenovela-em-tela.html

sábado, 26 de novembro de 2011

Humor de internet / Humor de jornal popular


O jornal “Meia Hora de Notícias”, do mesmo grupo empresarial que edita o jornal “O Dia”, vem alcançado, nos últimos dois anos, grande audiência por parte da mídia considerada tradicional e destinada a um público majoritariamente das classes econômico-sociais A e B. Este periódico é de formato tabloide e custa R$ 0,70 de segunda-feira ao sábado e R$ 1,40 aos domingos. Segundo pesquisa do estudante Pedro de Figueiredo (ECO/UFRJ) e da professora doutora Cristina Rego Monteiro (ECO/UFRJ), o maior consumidor deste jornal vem da classe C, com 60% da fatia de compras em bancas, em análise feita entre os dias 29 de março e 04 de abril de 2010. ¹ Portanto, a partir de definição admitida pela mídia e pela comunidade acadêmica, ele é tido como um “jornal popular”. Utilizando o slogan “Nunca foi tão fácil ler jornal”, ele é mais conhecido apenas por “Meia Hora” (MH) e passou a receber a atenção dos outros veículos de comunicação a partir de manchetes como “Luana não tem mais dado (no lugar da palavra 'dado', a fotografia do rosto do ator e ex-namorado da atriz, Dado Dolabela) em casa”. Sob esta tônica humorística e concentrando suas vendas em bancas de jornal espalhadas em pontos de grande fluxo da cidade do Rio de Janeiro, o periódico foi alcançando grandes vendagens. Com isso, para fazer concorrência, as Organizações Globo lançaram o jornal “Expresso da Informação”, em 2006, um ano depois do início do “Meia Hora”. O “MH” vende cerca de três vezes mais que o vendido pelo “Expresso”¹, valendo-lhe matéria de prestígio na revista “piau픲 (edição 28), estatisticamente de amplo consumo classe A.

É neste cenário de atenção da mídia e das replicações das manchetes bem humoradas, irônicas e icônicas do “MH” por toda a internet que se pretende debater o real papel deste jornal dentro do contexto social supostamente considerado baixo e de conteúdo raso e medíocre da classe popular, esvaziado de contestação do noticiário político, econômico e internacional e repleto de sexualização, entretenimento medíocre e violência gratuita. Neste cenário, o grande pilar da ascensão midiática do “MH” foi, definitivamente, a internet acessada por jovens entre 10 e 30 anos de idade. Foi nela, por meio de blogs humorísticos como “Kibe Loco” e “Não Salvo”, que houve a transformação do periódico em “ícone” não do jornalismo, mas do humor jovem do início do século XXI. Esse espaço adquirido pelo “MH” nestes blogs deu-se, em suma, porque seus conteúdos são muito semelhantes. Estruturalmente, a construção e a dinâmica do humor produzido para a internet andam de mãos dadas ao humor que recheia as capas do “MH”. Deste modo, eles complementam-se e não são comparados necessariamente por tratarem de assuntos iguais, mas sim por tratarem as notícias de maneira igual. Portanto, chega-se então a uma questão, que será devidamente analisada durante o artigo e é a base para o problematização da função do jornal dito popular na sociedade.

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¹ Trabalho “Os novos jornais populares: análises de uma tendência”, apresentado em 14 de maio de 2010 no Intercom Sudeste 2010 – Intercom Júnior – DT1 – Jornalismo (Vitória – Espírito Santo)

² Revista “piauí”, edição 28, disponível em < http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-28/anais-da-imprensa/mulher-file-da-capile-a-reporter-nerd >

Como metodologia do trabalho, decidiu-se analisar uma semana completa (13 a 20 de novembro de 2011) das capas do “MH” – disponíveis no site do jornal¹ e apresentadas no apêndice do artigo – e também todos os posts publicados durante o período no blog “Kibe Loco”², um dos mais antigos e tradicionais da internet brasileira. Tendo em vista que estes blogs de humor são consumidos por uma maioria jovem e com condição financeira de possuir um computador em casa e banda larga, além de se proporem a fazer humor de uma realidade oriunda das camadas inferiores do povo (por exemplo, fazer piada com a empregada doméstica nordestina que não consegue pronunciar corretamente a palavra “YouTube”), é de se perguntar como o modo de fazer humor dele é semelhante ao modo de fazer humor de um jornal que deveria representar a classe pelos blogs motivo de chacota. Será o jornal popular tão destinado assim à classe C e D? “Trata-se de produtos massivos porque são produzidos por grupos culturais relativamente pequenos e especializados, e são distribuídos a uma massa de consumidores” (SANTAELLA, 2007: 6) Será seu conteúdo tão decodificado e destituído de complexidade? Se um jornal com um conteúdo “x” voltado para um público classe C/D tem como contraste um blog também com conteúdo “x”, mas voltado para um público classe A/B, como isso interfere em suas produções? Como que a internet está envolvida neste contexto? Para responder a essas e outras perguntas, então, de início, serão demonstradas as impressões básicas percebidas através das comparações objetivas entre o blog e as capas do jornal, tendo como referências as análises do discurso linguístico polifônico de Mikhail Bakhtin e dos conceitos semiológicos de Roland Barthes e Thomas Moro Simpson. Em seguida, criticando teoricamente os conceitos delineados, Lucia Santaella e Umberto Eco serão os principais estudiosos.

Partindo da análise do jornal “Meia Hora”, entre os dias 13 e 20 de novembro a notícia que mais ganhou destaque em suas capas foram relacionadas à prisão do chefe do tráfico de drogas na Rocinha Antônio Bonfim Lopes, mais conhecido por “Nem”. Anterior ao período de análise, mas nem por isso menos relevante, uma capa muito repercutida do jornal foi a de 09 de novembro, em que vários disfarces eram dados à Nem, fazendo referência a sua intenção de despistar os policiais: “Nem Elvis, Nem Start, Nem-Mar, Nem Bieber...”, acompanhados de ilustrações que fazem referência às celebridades que estão ao lado do nome “Nem”. Já o blog “Não Salvo”³, em 03 de outubro, dedicou um post às 25 capas mais engraçadas até então do “MH”. A graça, então, era o próprio conteúdo do periódico, sem muita necessidade de comentários adjacentes. Capturado na noite de 09 de novembro, a capa do jornal de 11 de novembro vinha com um “chapéu”: “O Nem foi preso, mas se fosse o Enem teria vazado...” Esta frase foi muito replicada nas redes sociais e mencionada sem crédito pelo apresentador Bento Ribeiro no programa de maior audiência da MTV².

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¹ www.meiahora.com/capas

² www.kibeloco.com.br

³ www.naosalvo.com.br

** “Furo MTV” de 16/11/2011, disponível em http://mtv.uol.com.br/programas/furo/videos/integra-37

Das oito capas analisadas do jornal, todas fizeram referência a Nem. Em seis das oito capas, o traficante foi citado diretamente (13, 16, 17, 18, 19 e 20 de novembro), sendo que destas seis vezes, Nem ocupou a manchete em cinco ocasiões. Em 15 e 14 de novembro, as capas mencionaram a ocupação pelo Estado da favela da Rocinha como um todo, não fazendo referência ao traficante. No entanto, em 15 de novembro, a manchete falou sobre o jogador Rolandinho Gaúcho, comentando a má fase do jogador no clube do Flamengo, fazendo assim uma brincadeira com a palavra “nem”: “Rocinha se livrou do Nem, o Flamengo não! – Nem brasileiro, Nem libertadores, Nem sul-americana”.

“A existência do significado indireto – em seus dois aspectos: sentido e denotação – é considerada uma irregularidade das linguagens naturais. Numa linguagem logicamente perfeita, pode-se fazer desaparecer a obliquidade (como diremos para nos referir à circunstância de ter denotação indireta), introduzindo-se nomes especiais para denotar os sentidos que outros nomes expressam.” (SIMPSON, 1976: 126)

Todas essas notícias eram acompanhadas de chapéus bem humorados, contendo frases como “Tá dominado, tá tudo dominado” (14 de novembro), “Jiripoca tá piando na Rocinha!” (13 de novembro), “Olha o cintão de couro dele!” etc. As manchetes e notícias de primeira página sobre Nem e a ocupação da Rocinha ganharam predominantemente um tratamento gráfico específico, recebendo o preto como cor de fundo. Em certos dias isto não ocorreu, pois não seria condizente com o humor que o “MH” estava pretendendo fazer. Ou seja, quando foram divulgadas fotos da namorada de Nem, Danúbia, em 16 de novembro pelo jornal, a capa foi tomada pelo rosa e por referências femininas, com o título “Bope pega álbum de amor da princesa de Nem”.

Em suma, constatou-se que, para fazer humor, o jornal se utiliza semioticamente tanto de recursos gráficos (13, 15, 16 e 19 de novembro) como das ambiguidade, intertextualidade e polissemia linguísticas. A interferência gráfica é percebida na utilização das cores para fazer referência ao violento e ao feminino, como também para produzir uma situação de humor. Por exemplo: em 13 de novembro, a notícia era “Nem: ‘Não vou pro inferno’”. Um diabinho desenhado é posto ao seu lado, então, dizendo: “Vem, sim, Neném!”. Já a questão linguística é encontrada quando são feitas brincadeiras com o nome “Nem”, como ocorrido em 15, 13 e 19 de novembro. São criados, portanto, novos e expandidos sentidos aos enunciados (SIMPSON, 1976: 25). O humor não foi utilizado, durante o período de uma semana de análise do jornal popular “Meia Hora”, apenas no dia em que a manchete foi o assassinato do filho do coreógrafo Carlinhos de Jesus.

Neste momento, passa-se a verificar o humor produzido no blog “Kibe Loco”, de responsabilidade do jornalista Antonio Pedro Tabet, que utiliza o slogan “A verdade é ácida e o kibe é cru”. O blog surgiu em 2002, sendo praticamente o único com quase dez anos de história na internet brasileira a ainda fazer sucesso. O início de sua ascensão foi um vídeo postado em 2004, onde William Bonner, apresentador do “Jornal Nacional”, da Rede Globo, na década de 1990 imitava o estilista Clodovil Hernandez¹. Diferentemente de outros blogs de humor contemporâneos como “Não Salvo”, “Bobagento”², “Ñ intendo”³, o “Kibe Loco” possui um grande acervo de postagens com imagens e suas manipulações, assim como postagens em que a linguagem verbal é o centro do humor. Já os demais são amplamente difundidos através, principalmente, de vídeos extraídos da internet e de “memes”. Sendo assim, entre os dias 13 de novembro e 20 de novembro de 2011, mesmo período em que o jornal “Meia Hora” foi analisado, constatou-se que o blog foi muito diversificado em seus assuntos, não se dedicando, como o jornal, apenas à questão noticiosa da Rocinha.

Vinte e sete foi o número total de posts do blog durante os oito dias de pesquisa (um em 13/11, quatro em 14/11, um em 15/11, três em 16/11, doze em 17/11, uma em 18/11, duas em 19/11 e três em 20/11). A maioria das postagens pode ser subdividida nas seguintes categorias: 1) “placas do Brasil”, onde fotografias de placas, letreiros, cartazes, restaurantes, banheiros etc. por todo o país, com erros gramaticais e engraçados pelo nonsense são divulgados; 2) “separados na maternidade”, onde pessoas conhecidas são contrastadas com outras da mídia, que possuem inusitadamente muitas semelhanças físicas entre si. Sobre as duas imagens, é sempre posto: “separados” por alguém. Por exemplo: a imagem de Marta Suplicy ao lado da imagem de Walter Mercado. O site inseriu sobre ambos: “Separados por um Supla” (17 de novembro); e 3) “notícias que irão mudar o mundo”, onde se encontram links para reportagens que provavelmente não lhe afetará em nada, mas que justamente por ser algo irrisório tornando-se notícia consegue o destaque do humor.

Fazendo humor para uma classe média da sociedade, o blog tem como matéria prima os casos dos erros gramaticais grotescos das placas espalhadas pelos recantos mais longínquos do Brasil e, consequentemente, menos abastados economicamente, como também os vídeo para rir têm como conteúdo de mendigos bêbados filmados dizendo coisas sem sentido a homossexuais “pão com ovo” fãs de cantoras como Beyoncé e Britney Spears. É sob esta audiência que o conteúdo do “Meia Hora” passou a ser utilizado pelos blogs. Os dois retroalimentam-se. Tanto o jornal utiliza a linguagem de “zoação”, como também o blog, sendo que a linguagem e o conteúdo do “Meia Hora” está sendo consumida pelos blogs de humor, redes sociais e programas jovens de televisão. Com isso, com as pesquisas quantitativas de venda do “Meia Hora” em bancas de jornal que demonstram que seu público majoritário é da classe C, passa-se a uma pergunta: e a audiência do periódico pela internet? Ela é, definitivamente, diferente da que o compra em bancas de jornal e o está agregando valor cultural. Ingerido pelos meios mais considerados pela grande mídia, o jornal está alcançando

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¹ Fonte: Wikipédia – Kibe Loco

² www.bobagento.com

³ www.naointendo.com.br

status social.

Com a velocidade da informação na internet, o “Meia Hora” não dá a notícia em si bruta, mas a analisa e a trabalha, produzindo discursos sobre ela e não apenas ela, pois é provável que todos já a conheçam na hora de o jornal ir para as bancas. A relação existente entre o “Meia Hora” e o “Kibe Loco” é de mídia e arte (humor e gráfica) convergindo com o adendo da tecnologia. Santaella considera uma “ArteMídia”. Nesta situação, seria o caso de considerar a “Tecno ArteMídia”.

A partir de um viés mais antropológico, considerar o refinamento do humor do jornal popular é entendê-lo a partir de uma lógica “integrada”, em contraste a uma lógica “apocalíptica” (ECO, 1979). Chamá-lo de pequeno, repleto de banalidades humorísticas e condicionado sob o tripé violência, entretenimento e sexualização é não enxergar seu conteúdo conservador dentro de suas páginas (FIGUEIREDO e MONTEIRO). Um artigo sobre o jornal popular, uma disciplina acadêmica sobre o jornal popular, já é uma tentativa de tirá-lo justamente do conceito banalizado de popular e alçá-lo a uma cultura mais “elevada”. Entretanto, considerá-lo “elevado” não quer dizer que ele não está sendo mais voltada para uma população de renda mais inferior. Além do mais, com a percepção de que há uma grande audiência na internet, é perceber que o jornal popular como veículo de massa está de fato massificado. “O universo das comunicações de massa é – reconheçamo-lo ou não – o nosso universo” (ECO, 1979: 11) O jornal popular é, em si, por Umberto Eco, o que ele chama de conceito fetiche (página 19). São nestas categorias que os críticos de delimitam a denegrir a cultura de massa e a considerá-la nula de sentido e significação. Para eles, os “massmedia” entregam a emoção já confeccionada, mas esta afirmativa é questionável justamente em casos como a subversão vivenciada pelo “Meia Hora”, com seu ápice na manchete sobre Luana Piovani e Dado Dolabela, nada simplória. O fato de outras classes o consumirem já é motivo para questionar esse esvaziamento e, por sua vez, perguntar-se se é válida a classificação da qualidade dos veículos de comunicação por meio de faixas econômicas.

Bibliografia

1. ECO, Umberto. Apocalípticos e integrados. Editora Perspectiva, 1979;

2. SANTAELLA, Lucia. Por que as comunicações e as artes estão convergindo? Editoração Paulus, 2ª edição, 2007;

3. SIMPSON, Thomas Moro. Linguagem, realidade e significado. Editora da Universidade de São Paulo e Livraria Francisco Alves Editora, 1976;

4. Trabalho “Os novos jornais populares: análises de uma tendência”, apresentado em 14 de maio de 2010 no Intercom Sudeste 2010 – Intercom Júnior – DT1 – Jornalismo (Vitória – Espírito Santo)

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Se eu não tivesse espinhas,


Não precisaria de analista;

Não precisaria de espelho;

Não precisaria de ajuda;

Não precisaria de lágrimas;

Não precisaria de solidão;

Não precisaria de autoafirmação;

Não precisaria de piedade;

Não precisaria de raiva;

Não precisaria de vergonha;

Não precisaria de mim.

Mas como eu tenho espinhas

(No rosto, no couro cabeludo e nas costas),

Sigo escrevendo.

domingo, 20 de novembro de 2011

Alguns gostam de poesia


ALGUNS -
ou seja nem todos.
Nem mesmo a maioria de todos, mas a minoria.
Sem contar a escola onde é obrigatório
e os próprios poetas
seriam talvez uns dois em mil.

Gostam -
mas também se gosta de canja de galinha,
gosta-se de um xale velho,
gosta-se de fazer o que se tem vontade
gosta-se de afagar um cão.

De poesia -
mas o que é isso, poesia.
Muita resposta vaga
já foi dada a essa pergunta.
Pois eu não sei e não sei e me agarro a isso
como a uma tábua de salvação.

(Wislawa Szymborska, Prêmio Nobel de Literatura 1996)

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Brincadeira do eu sou

Eu sou paranóico.

Eu sou ninfomaníano.

Eu sou hipocondríaco.

Eu sou depressivo.

Eu sou eufórico.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Cinema brasileiro = novela em tela grande


A trajetória do cinema moderno brasileiro foi delineada pelos textos de Ismail Xavier e Paulo Emílio Sales Gomes. Em “O cinema brasileiro moderno” e “Cinema: trajetória no subdesenvolvimento”, respectivamente, no que diz respeito aos capítulos referentes ao artigo de 1995 de Xavier, “O cinema brasileiro moderno”, e “5ª época: 1950 a 1966”, os autores se mantêm analisando principalmente o Cinema Novo e dão um panorama sobre a chanchada, cinema marginal e o audiovisual contemporâneo dos anos 1990. O texto de Gomes analisa tecnicamente a produção do período 1950/60, ressaltando tanto o contexto subdesenvolvido de produção do audiovisual, quanto a estética e o conteúdo de contestação do atraso social visto em bolsões de pobreza no Brasil. Já Xavier, no artigo publicado em 1995, estabelece diálogo com a obra de 1973 de Gomes, ressaltando a “estética da fome” do período glorificado por Glauber Rocha e a criticando teoricamente e ampliando os horizontes do cinema moderno brasileiro ao chegar na crise dos anos 1990 e na consolidação da Rede Globo nas produção audiovisuais. Amplia, assim, a crítica feita por Gomes, de que a questão da audiência de nosso cinema é a grande entrada de produções estrangeiras (GOMES, 1996: 83).
No que diz respeito exclusivamente ao breve texto de Gomes que analisa o período de ascensão do Cinema Novo, muito influenciado pelo neo-realismo italiano e a Nouvelle Vague francesa, o autor ressalta que a chanchada foi o estilo predominante das décadas anteriores e que afundou com a falência do estúdio Vera Cruz. Com isso, e com a ascensão da esquerda intelectual no país, ascendeu o conceito do cineasta como formador de opinião e vanguarda artística necessitada de demonstrar a realidade brasileira (XAVIER, 2001: 42). No entanto, o texto de Gomes é menos abrangente, pois analisa pragmaticamente o movimento cultura cinema-novista e faz como que uma enciclopédia de diretores-autores e temáticas voltadas à realidade social e à redescoberta da literatura dos anos 1930, principalmente.
A conclusão de sua análise desemboca no raciocínio de que o problema encontrado nos anos 1970 pelo cinema nacional foi o grande aporte de filmes estrangeiros nas salas de cinema. É em parte verdadeira tal afirmativa, mas não reflete todo o problema. O período de Ditadura Militar (1964/1985) eclipsou muito da contestação de realizadores como Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade, Arnaldo Jabor e Nelson Pereira dos Santos e deu lugar à pornochanchada e ao Cinema Marginal. Somado a isso, a década de 70 foi importante para consolidar a televisão na casa dos brasileiros e a estética das telenovelas, o que foi decisivo para um esvaziamento da experimentação contestadora dos realizadores premiados com o Cinema Novo.
Ismail Xavier mantém diálogo direto com Paulo Emílio Sales Gomes em três momentos de “O cinema brasileiro moderno”. Ele afirma que Gomes está sempre marcado pela reposição do “subdesenvolvimento técnico-econômico” (página 10), o contrapondo ao texto sobre a “estética da fome” feito por Glauber Rocha em 1963 (página 11), mostrando-se temeroso com a falta de avanço do cinema brasileiro nos anos 70. Xavier finaliza, então, seu artigo dando ênfase no que foi defendido por Gomes. Com isso, vê-se que até os anos 1990 o Brasil manteve-se em fase subdesenvolvida de sua produção audiovisual, manipulado pelo mercado e perdendo espaço para a produção internacional, principalmente estadunidense. O que Xavier vem complementar é a inclusão da televisão brasileira no cinema, com fases “áureas” de sucesso com filmes em série de “Os trapalhões” e “Xuxa”. Nos anos 2000, o que pode-se dizer é que a Globo Filmes é a produtora que mais tem alcance nas salas de projeção e alcança as maiores bilheterias, através de filmes que possuem a mesma estética pasteurizada de suas telenovelas e seus atores e diretores. Segue, abaixo, trecho onde Xavier ratifica conclusão de Gomes:
“De certo modo, pode-se observar o esforço atual (‘Retomada’ de 1995) como reedição, em nova conjuntura, da mesma luta contra o fantasma do desencanto que era, em 1973, o pano de fundo da fórmula provocadora de Paulo Emílio: na economia do cinema brasileiro, o subdesenvolvimento não é uma etapa, é um estado. Dados os impasses atuais, não se pode vislumbrar ainda o momento em que poderemos descartá-la.” (XAVIER, 1996: 49)
Xavier não se mantém apenas na compreensão do período dos anos 1950 e 1960, com a queda da Companhia Vera Cruz e da chanchada e com a ascensão da estética da fome com o Cinema Novo. Analisa o período dos anos 1970, com o Cinema Marginal e o Tropicalismo, passando pela compreensão pós-moderna do ser humano dos anos 1980 refletida no cinema (“Eu te amo”, 1981, Arnaldo Jabor), assim como uma complexidade temática vista neste período (página 41). Chega, enfim, a crise de 1989/1990 com a Embrafilme e a produção audiovisual, refazendo seus ânimos com a retomada do cinema em 1995, com o filme “Carlota Joaquina”. O autor afirma que atualmente deixou de ser do cineasta a função de vanguarda política e de contestação, encontrando terreno a noção de nacionalismo da Rede Globo (página 47). Como dito no parágrafo anterior, nos anos 2000 pode-se entender o cinema nacional como uma extensão da estética global, com esparsos, porém esperançosos, filmes independentes que conseguem atenção através de festivais e da internet.
Em artigo publicado pelo cineasta Cacá Diegues, no jornal “O Globo”, no sábado 24 de setembro de 2011, intitulado “Todos os filmes em todas as telas”, ele afirma que a iniciativa do Estado da lei 12.485, que sucederia a Lei do Audiovisual (1994), unida à Receita Federal, é complexa. Para ele, a burocracia “burra, autoritária e imobilizadora” que está sendo implementada diante de projeto grande e complexo da lei 12.485 é um entrave ao cinema brasileiro. Está é, então, um outro aspecto do cinema nacional do século XXI. As iniciativas do Estado de incentivo à produção brasileira tanto na televisão quanto no cinema esbarram com iniciativas do setor privado de reserva de mercado. A concepção de Estado como um complicador esbarra em suas iniciativas. Da mesma forma, grande parte da produção audiovisual nacional recebe verba pública e se beneficia da mesma. Um debate, portanto, complexo em vista dos interesses privados e estatais que emerge nos anos 2000 para o audiovisual.
O que se pode extrair da leitura destes textos é que o Brasil ainda não obteve uma cultura de cinema nacional. Ou seja, ainda se dá muito mais valor e preferência à produção audiovisual estadunidense, que dominou o cinema mundial durante toda a sua história do século XX e XXI. A noção de entretenimento e diversão em família ainda é ir ao shopping assistir à “Avatar” e derivados, ao passo que se assisti ao filme nacional como última opção. O filme nacional que não está incluído na estética da Globo Filmes é tido como experimental, chato e incompreensível, muito da cultura equivocada extraída do Cinema Novo. Portanto, dizer que o cinema nacional está crescendo atualmente é dizer que a Globo Filmes está crescendo, com filmes como “Tropa de Elite”, “De pernas pro ar” etc. A cena cultural independente da televisão no país ainda é escassa, ao contrário dos Estados Unidos, que tem no cinema uma visibilidade maior que na televisão. O filme nacional recebe críticas da academia por “glorificar” a pobreza, através de filmes como “Cidade de Deus”, com estudos de Esther Hamburguer (ECA/USP), dentre outros. Mas o que tem-se é, sobretudo, uma iniciativa do Estado em conceder subsídios para o cinema nacional, ao passo que o setor privado constantemente a critica e também a usufrui. Diferentemente da França, por exemplo, onde o cinema francês vem em primeiro lugar, no Brasil ainda deve-se correr muito atrás para, assim como para acabar com subdesenvolvimento social e econômico, encontrar uma solução para terminar com o subdesenvolvimento cinematográfico.
Bibliografia:
1) XAVIER, Ismail. O cinema brasileiro moderno (página 7 a 50). Editora Paz e Terra: 2001
2) GOMES, Paulo Emílio Sales. Cinema: trajetória no subdesenvolvimento (página 76 a 83). Editora Paz e Terra: 2001
3) DIEGUES, Cacá (Carlos). Todos os filmes em todas as salas, in jornal O Globo. 24 de setembro de 2011

terça-feira, 8 de novembro de 2011

O funk e a mídia: uma lógica míope


O funk, no contexto atual, está quase que completamente inserido dentro dos veículos de comunicação. Ou seja, para que a música funk (feita majoritariamente por pessoas oriundas de favelas e regiões menos favorecidas da cidade do Rio de Janeiro cantando sua realidade) consiga entrar nos grandes canais de televisão e nas emissoras de rádio, deve se esvaziar de sentido original e abandonar suas letras recheadas de referências a sexo, violência e pobreza. Em cenário que vem se consolidando desde a segunda metade dos anos 1990 e que já está assimilado tanto pela mídia quanto pelo mercado consumidor, o estilo musical “funk melody” é constituído por letras mais leves, que se distanciam ou falam de maneira mais enviesada sobre sexualidade, fugindo de referências explícitas a comandos e facções criminosas, mas reforçando o conteúdo do sentimento amoroso, principalmente.

Esta vertente do funk vai de encontro ao que se conhece por funk “proibidão”. Como o nome já sugere, é uma música que fala sem rodeios sobre um cotidiano de drogas, violência, facções criminosas, recheado de palavrões e linguagem sexual. O funk dos anos 2000 é, portanto, dividido majoritariamente entre estes dois grandes grupos, sendo a funk melody chamada de “brega” por quem consome e dá mais credibilidade ao “proibidão”. Sob uma lógica da indústria do mercado cultural, o principal objetivo de certos grupos musicais de funk é cantar em programas de auditório dominicais de emissoras de televisão aberta, como Rede Record, SBT (Sistema Brasileiro de Televisão) e, mais que as outras, Rede Globo. No entanto, é difícil emplacar uma música que utiliza letras com palavrões e outras “indignidades” em programas do Faustão, Luciano Huck, Eliana e Rodrigo Faro. Portanto, elas são adaptadas e adquirem um teor mais suave, leve, voltado para as crianças e os idosos do Brasil que estão assistindo de casa. O teor socialmente contestador da música funk, portanto, é perdido neste momento. Músicas fortes o ligam mais às camadas pobres e oriundas da exclusão, reais a eles. Já a música suave os incorpora à classe média e os esvazia de contestação social. Mas atualmente, o mercado tendo percebido a capacidade de adesão da juventude classe média e alta de bolsões como Grande Tijuca, Zona Sul e Zona Oeste (Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes) à música do “proibidão”, já o está realocando rapidamente no contexto.

Uma boa visão que pode ser adquirida da relação conflitante entre a mídia e a música funk é o modo como os jornais impressos lidaram com ela durante os anos 1990. Consolidando o estereótipo de música funk feita por “pretos, pobres e favelados”, como já diz a música, foi a partir dos anos 1990 que ela começou a ter espaço nos cadernos policiais e de cidade. Como demonstra o professor Micael Herschmann, da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ, em trabalhado de nome “O Funk e o Hip-Hop invadem a cena”, publicado pela Editora da UFRJ em 2000, a mídia a partir de episódio do verão de 92 passou a publicar o funk fora dos cadernos culturais. Segundo ele, em 1990 e 1991, 100% das reportagens que abordavam o funk o faziam nos cadernos culturais, quando se analisam os principais jornais cariocas e um paulista da época (O Globo, Jornal do Brasil, O Dia e Folha de S. Paulo). Já em 1992 e 1993, 94.8% e 66.6% das matérias, respectivamente, foram veiculadas nos cadernos de cidade e policial. Mas o que desencadeou esta mudança?

No verão de 92, em pleno domingo de sol, grande grupo de pessoas de cor negra e mulata encontrou-se nas praias de Ipanema e Arpoador. “Esses arrastões tornaram-se uma espécie de marco no imaginário coletivo da história recente do funk e da vida social do Rio de Janeiro, fortemente identificada com conflitos urbanos onipresentes.” (HERSCHMANN, 2000: 95). No entanto, com o passar do texto, dá a compreender que o que houve não foi necessariamente um arrastão constituído por assaltos etc., mas sim apenas um encontro de grande grupo de jovens que interagiram e, contudo, causaram medo na população moradora do bairro, causando pânico generalizado. “Segundo eles (comandantes do 19º e 23º Batalhão da Polícia Militar), os participantes fazem parte dos mesmos grupos que frequentam os bailes funk do subúrbio e da Zona Oeste. O encontro das turmas rivais na areia provocou o tumulto e o pânico entre os banhistas. Os incidentes ocorridos nas saídas de praias aconteceram devido ao número insuficiente de ônibus nos pontos finais.” (O Globo, 20/10/1992). Nesta mesma lógica, pode-se inserir discurso de Ieda Tuchermann, professora da ECO/UFRJ, onde conta episódio ocorrido em mesma época no Shopping Rio Sul, localizado entre Copacabana e Botafogo. Grande grupo de jovens negros e mulatos adentrou o recinto, causando temor de consumidores e lojistas, que fecharam seu comércio.

Em editorial publicado em 05 de junho de 1995 no “Jornal do Brasil”, de nome “Juventude transviada”, afirma-se que “o mundo funk agasalha em seu espaço paus, pedras e armas de fogo. Grupos de jovens, em busca de divertimento, espalham muito mais terror que alegria. Transformou-se num ritual de vida ou morte. Só por um milagre a tragédia não tem sido maior entre um milhão de jovens que se espremem nos fins de semana em clubes, quadras, galpões, e ruas de terra do Rio e da Baixada Fluminense, para dançar e brigar ao som do funk. (...) A presença do tráfico de drogas nos bastidores reafirma a convicção de que os bailes funk são um caso de polícia.”

O texto mostra que, já no final dos anos 1990, o contexto do funk voltado aos cadernos policiais e de cidade foi se igualando ao do cultural. A média dos anos 90 foi de 56% em policias e cidades, e 44% em cadernos culturais. Para Herschmann, muito disso ocorreu na mídia impressa em decorrência da adesão dos grandes programas da televisão aberta ao funk melody. Atualmente, na década de 10 dos anos 2000, o que se pode perceber é o discurso exótico do funk. Entre os anos 90 e 2000, houve a grande adesão da juventude classe média ao funk (em grande medida ao melody e em medida com ascensão ao proibidão) e hoje a mídia já é cautelosa ao tachar o funk como criminoso. Não que este discurso tenha sumido e seja mentiroso, pois há realmente a droga e tráfico inserido no contexto do funk e da favela, mas é fato que a expressão cultural é legítima e apenas reproduz situações vividas por uma parcela da sociedade, revelando grandes talentos. Hoje, a pauta recorrente de programas como “Profissão repórter” (Rede Globo), “A liga” (Rede Bandeirantes), e cadernos sobre a programação do fim de semana nos impressos, como “Rio Show” (O Globo), é a adesão da classe com maior poder aquisitivo e, portanto, “estranha” no ambiente da desigualdade do funk “original”. Eles indicam festas funks “originais” no morro, revelam as festas que as patricinhas de salto alto e os mauricinhos de blusa pólo e carro chique estão passando a frequentar nestes locais. A maioria destas matérias deixa implícita a ideia de ambiente estranho a eles e sua força está no estranhamento causado pelo fato “exótico” dos ambientes inversos.

Outro fenômeno que auxilia na consolidação do funk no imaginário social e longe das sociopatia de antes são as redes sociais. Elas estão aumentando a repercussão dos ocorridos dentro deste contexto e dentro delas surgem também grandes veiculadores do funk. Um bom exemplo é o grupo “Os avassaladores”. Com a música “Sou foda” replicada no blog de humor “Não Salvo” e alcançando grande sucesso no “YouTube”, eles viraram sensação do verão de 2010 e 2011. Consumidos são por toda a classe média, para quem os blogs de humor e a internet banda larga é mais acessível, mas hoje não se pode mais dizer com total propriedade que um tipo de produto cultural é reservado a determinada “classe”. “Sou foda” foi, portanto, um fenômeno geral, independente de “classe” social. Ocorre, então, com isso, uma repaginação do funk dentro da lógica da indústria cultural, eclipsado pela grande mídia e não mais restrito aos becos das favelas. Em programas de auditório dominicais “Sou foda” não é “foda”, mas sim “sou delas”. Mas foi ganhador do prêmio “web-hit” do Video Music Brasil (VMB) da MTV. O consumo do jovem anos 2000 é multimídia e pop. As redes sociais, a internet, estão repaginando o funk e remexendo em seu contexto violento.

O discurso midiático é, portanto, míope, pois ao mesmo tempo em que exalta o funk, em outros continua mantendo-o no campo do “outro”, do exótico e no contexto violento e excluído. O funk, para estar inserido dentro da televisão aberta, precisa reinventar-se e, de certa forma, descontextualizar-se. Já o mercado, notando a grande adesão da camada média ao funk, tanto melody quanto proibidão, incentiva o consumo do funk e de seu contexto, crescendo o número de casas noturnas tradicionais voltadas ao funk e que recebem artistas como DJ Marlboro, Mister Catra, Gaiola das Popozudas, Os Havaianos e Os Avassaladores. O samba, assim como o funk, passou por uma assimilação por parte da população média e com o passar dos anos foi adquirindo outros contextos, mas até hoje encontra certas barreiras por parte de alguns grupos, no que diz respeito a sua banalização e extrema sexualidade, na lógica da Marquês de Sapucaí.

Enfim, a mídia demonstra que a favela vale a pena pelo funk, mas que não vale a pena pela violência. Hoje, a mídia não considera em primeiro momento o funk como sinônimo de violência, mas esta separação ainda não esta totalmente clara. A sociedade burguesa esvaziou de sentido o funk em certa medida e o discurso midiático é o da integração total e irrestrita entre a favela/funk com o asfalto/bossa nova. Mas será um discurso verdadeiro?

Bibliografia

  1. HERSCHMANN, Micael. O Funk e o Hip-Hop invadem a cena. Editora UFRJ, 2000.
  2. VIANNA, Hermano (organização). Galeras cariocas: territórios de conflitos e encontros culturais. Editora UFRJ, 1997.
  3. ADORNO, Theodor e HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento. Jorge Zahar Editora, 1985.