sábado, 28 de maio de 2011

O Amigo dos Presidentes


(...) um jornalista precisa viver na eterna expectativa de que pode viver situações que não ocorrem em outras profissões.” Samuel Wainer

Tendo em vista a disciplina de História do Jornalismo, ministrada pela professora Ana Paula Goulart, será realizada uma resenha da autobiografia do jornalista Samuel Wainer (1910-1980), lançada em 1987 sob o título “Minha razão de viver – Memórias de um repórter”. Morto em 02 de setembro de 1980, Wainer ditou sua história para os jornalistas Marta Góes e Sérgio de Souza, entre 25 de janeiro e agosto de 80, sendo as 53 fitas gravadas postumamente organizadas e editadas pelo também jornalista Augusto Nunes. Exilado no início da Ditadura Militar brasileira, em 1964, Wainer solicitou que apenas 25 anos depois de sua morte informações como as do esquema de financiamento do contragolpe militar fossem reveladas. Portanto, em 2005 a editora Planeta lança uma edição revisada da autobiografia de um dos maiores jornalistas do século XX. É nela que se baseia a análise dos relatos do “amigo do Homem (Getúlio Vargas)”.

Dividido em duas partes, o livro traz introdução e posfácio de Augusto Nunes, apresentação de Pinky Wainer (filha de Samuel) e uma homenagem do escritor Jorge Amado ao companheiro de redação da revista Diretrizes, “O brasileiro Samuel Wainer”. Já nas memórias em si, percebe-se que elas não são lineares: não tem um princípio na infância, um meio na fase adulta e um final na velhice. Como é o próprio Wainer quem a dita, por mais que não a tenha editado, escolheu dar enfoque à fase que perpassa os anos 1940 aos 1960, com especial atenção aos anos 50 de Vargas. É nesse período que vemos seu início com a revista Diretrizes, mostrando-se contrário à ditadura do Estado Novo (1937-1945), a passagem como correspondente internacional de O Globo e da BBC cobrindo os julgamentos da Segunda Guerra Mundial, repórter dos Diários Associados em 1947 e, por fim, dono e editor do jornal Última Hora, atividade exercida de 12 de junho de 1951 a 21 de abril de 1972.

Mas uma das coisas que mais se evidenciam no livro é o fato de o jornalista definitivamente não pormenorizar sua vida pessoal e familiar, restringindo-se a falar apenas o necessário sobre sua ex-mulher Danuza Leão, seus filhos e seus pais, principalmente nos momentos de sua prisão e exílio. Apenas o capítulo dois é mais vinculado ao passado pessoal de “SW”. Provavelmente isso não é uma falha do livro, mas sim a noção de que o relevante para o leitor é a vida profissional de Samuel Wainer. Outros personagens que marcam a narrativa são os jornalistas Assis Chateaubriand e Carlos Lacerda, pelos quais Wainer nutria grande inimizade. Já se tratando de Getúlio Vargas, na primeira parte do livro que trata da revista Diretrizes e do Estado Novo, é visível sua insatisfação pelo ditador: “Ainda não conhecia Vargas pessoalmente, mas era ele, a meus olhos de jovem jornalista, a encarnação do mal, o grande adversário a combater.” (página 85)

No entanto, quando de uma entrevista exclusiva concedida pelo então ex-presidente ao repórter dos Diários, tudo parece mudar de figura, culminando no surgimento do jornal de situação Última Hora, financiado pelo Banco do Brasil/Vargas e apoiador do futuro novo presidente de novo.

A partir dos encontros com o político para entrevistas, Wainer passou a admirá-lo: “Passei a interessar-me também pelo homem Getúlio Vargas, e ele igualmente passou a encarar-me como ser humano.” (página 35) O espanto do leitor ao perceber tal mudança repentina nas relações não se sente sozinho, ao passo que “Velhos amigos que, como eu, haviam participado da resistência ao Estado Novo passaram a tratar-me como um oportunista interessado na vizinhança do poder. (...) eu deixara de ser um repórter para tornar-me ‘o amigo do Homem’.” (página 35)

Há, com essa subjetividade de uma autobiografia, o lado positivo e o negativo. Na narrativa em si, torna-se interessantíssimo conhecer o ponto de visto do protagonista de sua própria vida. Saber os pormenores de tramas políticas e alianças hipócritas para a consolidação da imprensa no Brasil é sem dúvida o grande trunfo de “Minha razão de viver”. Entretanto, já tratando-se de uma nova edição, revisada e com mais informações, seria interessante que tivessem tido a preocupação de acrescentar notas de rodapé melhor informando os leitores. Ou seja, o livro possui passagens confusas no que tange o modo como Wainer conheceu certas celebridades e políticos. Ele as cita, mas da mesma forma que elas surgem, desaparecem do texto. Igualmente ocorre com suas esposas. É nítido, em “Clarice, uma biografia”, de Benjamin Moser, que a escritora Clarice Lispector teve uma convivência com Wainer na Europa, mas a fotografia deles que ilustra a página 117 do livro aqui resenhado nem sequer sai da óbvia descrição.

No campo das fotografias que ilustram as páginas do livro, é de se supor que elas poderiam ser um tanto mais contextualizadas. Elas deveriam ilustrar capítulos que tratassem de temas afins a ela. Entretanto, poucas fotos caminham em concordância com o texto, deixando os fatos um tanto paradoxais para o leitor, já que ele acredita ser ela uma ilustração da narrativa. Exemplificando, há na página 109 uma foto de Wainer como “correspondente dos Diários Associados em Paris, nos anos 1940. Entretanto, o que se lê no capítulo referente à foto é o trabalho de Wainer como correspondente do jornal O Globo e da BBC na Europa durante os anos 40. Ele só haveria de trabalhar para Chatô a partir de 47 até 51 deixando, portanto, um paradoxo. “Samuel não era correspondente de outro veículo, em outro local?” Evidente que ele poderia ter vindo a trabalhar em Paris pelos Associados, mas o livro tinha que informar, em nota caso Wainer não mencione. Outra foto curiosa que não possui contexto é a da página 313, dele com a atriz Kim Novak, onde ele aparece segurando firme seus braços e com um olhar penetrante sobre ela. O livro restringe-se a dizer: “Com a atriz Kim Novak, no Rio dos anos 60: um caminho iluminado por estrelas.” A curiosidade fica no ar. Igualmente faltam no livro alguns nomes completos de personagens, como um certo “vice-presidente da Light, Monteiro” (página 191), que se o leitor não souber de cor, terá que buscar em outras fontes para saber quem é de nome.

Quanto aos erros de edição e gramática, a segunda reimpressão da Editora Planeta não possui poucos, como na descrição da fotografia de Wainer e Danuza com integrantes do governo chinês nas comemorações do 10º aniversário da Revolução Chinesa, que ocorrido em 1959, é retratado como se em 1958. Fora deslizes acima da média normal de erros de um livro, como palavras sem letras, pontuações equivocadas e separações silábicas incorretas. Outra estranheza é um Cemitério São Paulo Batista (página 229), no Rio, quando na verdade na cidade só existe Cemitério São João Batista.

Mas que Samuel Wainer foi um grande repórter e dono de jornal, isso ninguém tem dúvidas. Teve ao seu lado grandes repórteres e colunistas, que entraram para a história da imprensa e o imaginário popular, como Nelson Rodrigues (“A vida como ela é”), Paulo Francis, Sergio Porto (Stanislaw Ponte Preta), Chacrinha, o cartunista Lan. Além de cobrir o nascimento do Estado de Israel, foi ele o único brasileiro a cobrir os Julgamentos de Nuremberg, a dar furos sucessivos sobre a vida do presidente Getúlio Vargas, a ter faro para manter um jornal diário de qualidade e, acima de tudo, algo que hoje em pleno século XXI não existe no Brasil: uma cadeia de jornais com mesma identidade. O Última Hora, com suas edições do Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre, Niterói, Belo Horizonte e Recife, manteve a mesma identidade visual, a mesma diagramação, praticamente a mesma primeira página, mudando-se apenas temas regionais. Assis Chateaubriand, por mais que fosse o “Rei do Brasil”, com mais de 20 jornais, rádio e televisão, tinha empresas díspares, enquanto SW possuía apenas uma: “(...) transformei-me no primeiro brasileiro a montar uma cadeia jornalística nacional efetivamente homogênea. (...) Além disso, creio ter imposto uma linha editorial idêntica às várias redações.” (página 297) Apesar de tudo, admite que tudo “sempre estimulado por candidatos interessados na existência de um meio de comunicação que os auxiliasse nas disputas regionais.” (página 297)

É esta a questão que deixa Samuel Wainer em posição delicada na visão dos dias de hoje, haja visto que ele estava envolvido em todos os sentidos principalmente com o governo de Vargas, tendo além de recebido ajuda para a criação de seu jornal, demonstrando extrema fidelidade ao “chefe”, o que demonstra algumas vezes um descrédito no distanciamento jornalístico dos fatos. Por mais que seu jornal tenha sido o primeiro (coluna “O dia do presidente”) e o único a cobrir diariamente a vida de Vargas, gerando furos seguidos nos concorrentes, nada garantiria que em momentos delicados do governo, Samuel não fosse defender de maneira até desenfreada seu amigo.

A situação mais óbvia de subversão da lei para mérito próprio foi o fato de, ainda que tenha escondido a vida toda, não ser brasileiro e possuir um jornal. Tendo nascido na Bessarábia, por mais que segundo ele aos 16 anos de idade tenha conseguido uma certidão de nascimento dizendo ser brasileiro (página 240), ainda que chegasse a conseguir cidadania, pela lei ele nunca poderia ser dono de um jornal no Brasil. Por mais que ele, na realidade, fosse mesmo brasileiro, já que aos seis anos chegou aqui e nunca mais foi de outro país, ele escondeu a todo custo essa questão para não ter seu jornal perdido para Chateaubriand, Lacerda e companhia. Dos males o menor, já que realmente Wainer não tinha como se considerar outro além de brasileiro. Mas outras espertezas vieram e, segundo ele, todas aceitáveis, já que nunca conseguiu nada para si e sim para seu jornal. Um mal por uma causa nobre poderia ser justificável.

Desde o fato de ter conseguido o título “Última hora” do embaixador Paulo Hasslocher por um preço baixo por ter combinado com Baby Bocaiúva: por ter cara de jovem, Baby apresentou-se como mero estudante querendo o nome. Depois que soube que se tratava de Wainer para criar um grande jornal, o embaixador tentou anular a transação. Wainer afirma triunfante: “Não conseguiu.” Daí em diante, várias atitudes que para ele eram do jogo político, mas que, com a hoje maior profissionalização da imprensa, seriam vistas como antiéticas. Mais adiante, afirma que o jornal apoiava empresas que fosse brasileira e que melhor atendesse aos interesses de Getúlio. Em seguida, exigia um retorno com publicidade: “Tal postura não me parecia antiética.” (página 196) Depois e em vários outros trechos do livro, Samuel entra em acordo com empresários, como Francisco Matarazzo (dele conseguiu montar o Última Hora em São Paulo) e deles recebia em troca favores, sempre para o jornal, pondera. Afirmaria que, já nos anos 1960, quando da eminência do Golpe Militar, rejeitou bajulações como apartamento na Avenida Atlântica e a possibilidade de pegar para si bolos de dinheiro que estavam sob seu controle mediado pelo presidente João Goulart para o financiamento de virtual contragolpe de esquerda à ascensão da direita.

Apesar do franco acesso aos governos, não se pode afirmar que Wainer manteve seus jornais única e exclusivamente os bajulando e extorquindo: “Quando fundei a UH em São Paulo, já se tornara possível montar empresas jornalísticas sólidas sem a mão generosa do governo.” (página 206) Isso se deu pela maior consolidação da publicidade, pelo menos no jornal de Wainer (página 217). Mas em contraste às suas atitudes de repórter diárias, vem sempre a informação de que ao lado de nova intenção de empreitada jornalística há o governo: “Achei que uma emissora de rádio (Rádio Roquete Pinto, depois Rádio Clube) seria importante como peça de apoio a meus jornais. Procurei Getúlio e relatei-lhe a proposta.” (página 214)

Independente das atitudes de Wainer diante dos governos ou dos erros editorais do livro, definitivamente “Minha razão de viver – Memórias de um repórter” é a melhor radiografia da imprensa e da política brasileiro do século XX. Com sinceridade, ele expõe os fatos e eles são crus. Compreender que por trás de uma informação objetiva existe muita subjetividade faz com que o profissional de amanhã repensa sua conduta e veja se vale ou não apena seguir determinada atitude. Viver hipocritamente num estereótipo de moralidade jornalística não é possível, mas tentar alcançá-lo mais de perto é ainda necessário, e Samuel Wainer tentou a seu modo fazê-lo. Passou pelos meandros do poder e foi um espectador privilegiado, mas é como ele próprio diz, nunca conseguiu nada para ele e sim para seu jornal. Deve soar estranha a afirmação, mas ele pode também ter feito tudo com o propósito maior de apenas ser um bom repórter, condizente a seus ideias. Além de tudo, em último caso, para ele certas atitudes poderiam soar normais, já que ele estava totalmente inserido na dinâmica do poder, tanto jornalístico quanto governamental. Morreu sendo colunista da Folha de São Paulo e sabendo que ele fora engolido pelo sistema, tinha informações perigosas e só as autorizou que fossem reveladas 25 anos depois de sua morte.

Já a partir dos capítulos 33 e 34, Wainer expõe o que na primeira edição não é permitido revelar: maiores detalhes de sua infiltração no financiamento de um contragolpe de esquerda comandado por João Goulart. Wainer admite que um governo daquele tipo não poderia durar muito tempo e que, consolidando-se o golpe de 31 de março de 1964, pede asilo na embaixada do Chile. Vivendo no país por alguns anos, segue com os filhos para a França. É aí que vende seu jornal para o grupo Folha, já de Otávio Frias, e se entrega, nas memórias, à reminiscências mais detalhadas sobre sua vida sentimental e familiar. Faz, mesmo, bom balanço de sua vida.

Do que foi perdido em poesia


Não sei quem sou.
Porque me perdi – na esquina aqui de casa –
Quando fui comprar pão.

Não sei se me acharão.
Porque – logo que me perdi –
Passou um de lixo: caminhão.

Não sei o que farão.
Porque me perdi – muito cedo e para muito longe.

Mas quem sabe
Lá longe, desde muito cedo
Não seja mesmo meu deslocamento?

***

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Calendário das biografias músico-sentimentais

Aretha Franklin: 03 de junho de 2011.


Nina Simone: 10 de junho de 2011.


Amy Winehouse: 17 de junho de 2011.



Etta James: 24 de junho de 2011.



Mahalia Jackson: 01º de julho de 2011.



Ella Fitzgerald: 08 de julho de 2011.


Billie Holliday: 15 de julho de 2011.


Edith Piaf: 22 de julho de 2011.


Ray Charles: 29 de julho de 2011.


Chet Baker: 05 de agosto de 2011.


Jacques Brel: 12 de agosto de 2011.


Frank Sinatra: 19 de agosto de 2011.

sábado, 21 de maio de 2011

sexta-feira, 20 de maio de 2011

quinta-feira, 19 de maio de 2011

O paradoxo dos Anjos


Tudo indicava que Márvio Rafael dos Anjos não daria certo. Entrou na Escola de Comunicação da UFRJ meio que no susto, sem saber ao certo se era aquilo que que-ria. “Sempre quis ser mais músico e escritor que jornalista”, afirma. Com um cabelo todo esculhambado e lápis nos olhos, até os 23 anos, em 2001, preferiu passar todo o curso só fazendo a social: shows com sua Cabaret no Laguinho e organizando os trotes, conhecidos como um dos mais temidos da Universidade (pelo menos essa é a lenda). Só foi conseguir seu primeiro estágio no último período, e é aí que tudo começa a ficar um tanto paradoxal para quem pretende conhecê-lo melhor.

Segundo Márvio, ele demorou tanto assim para conseguir um emprego porque ninguém o avisava de nenhuma oportunidade (lembre-se que nessa época Elizabete Cerqueira ainda não era a celebridade que é hoje). Os amigos o queriam mais para as festas. Quando, finalmente, lembraram-se dele, veio o filé mignon: Rede Globo. Entrou para trabalhar com esportes, o que considerava muito legal.

Mas logo veio a dança das cadeiras e o passaram para o RJTV. Apesar de estar na televisão, rejeitou as oportunidades que teve de aparecer na tela. Diz que não era a dele, ainda que já fosse acostumado com a exposição social e artística que conseguia com sua banda. “Não quero ser o cara da Globo que tem uma banda, e sim o contrário.”

“Nós todos somos celebridades para nós mesmos”, afirma Márvio

Depois de sua única experiência como jornalista televisivo, passou pelas reda-ções da Folha de S. Paulo e pelo falido JB. Agora, está como editor da versão carioca do diário gratuito Destak, sendo também colunista das sextas-feiras em suas versões paulista, mineira e carioca. Nela, Meu Destak, escreve sobre assuntos importantes, como sua última coluna de 06 de maio, Do Nobel da Paz ao super-herói, sobre Obama e Osama. Além do trabalho “sério”, tem outra coluna no blog Na Filó, da grife feminina Maria Filó, chamada O Infiltrado. Não podemos dizer que é um enorme sucesso, mas cria sua polêmica. Com um machismo muito peculiar, fala sobre mulher e comportamento, sob a ótica de um macho num blog mulherzinha. Quando escreveu sobre a Playboy da Cléo Pires, alcançou inacreditáveis 81 comentários o matando e o vangloriando.


Mas esse jornalista é pauta. Márvio afirma que dentro da profissão existe um “star system”, pois “nós todos somos celebridades para nós mesmos.” Com isso, mos-trou seu lado independente e rebelde dentro das redações, dizendo que “nunca tive vontade de agradar meu editor”, ainda que no fim “você não faça jornal pro leitor e sim pro chefe.” Sobre seu trabalho atual no Destak, ressalta que ele é gratuito, mas não me-díocre: “O tipo de produto que a gente faz não é o que tem uma gostosa na capa e um ‘arregaça’. Isso é um aviso a quem quer fazer publicidade nele.” Portanto, “eu não pre-ciso me facilitar para buscar o leitor.”

O roqueiro machão de plumas e paetês

Na época da escola, fez canto lírico e balé clássico. Não era muito pleiteado pe-las meninas, porque era o cara sentimental demais. Já na faculdade, depois de parar de praticar ambas as atividades, passou a ser requisitado pelas meninas justamente por ser o cara que fez canto lírico e balé clássico. Apenas questão de ponto de vista.

Saiu do canto e do balé, mas não deixou o sentimento de lado: em sua banda de rock, leva consigo o conceito de glamour rock. Trocando em miúdos, é um grupo que canta um rock mais performático, em uma verve Ney Matogrosso e Dzi Croquetes, literalmente vestindo plumas e paetês para as apresentações. É nessa banda, Cabaret, que consegue fazer cerca de 30 shows ao ano e gravar com Cauby Peixoto e Ney Matogrosso, tendo o último cantado uma música sua, “Dentro de você”.

O parnasiano pós-moderno num blog em profundo esquecimento

Márvio dos Anjos, que de anjo tem muito pouca coisa, é sobrinho-bisneto de um dos principais poetas brasileiros, o paraibano Augusto dos Anjos, ícone da literatura da virada do século XIX para o XX. Mas enquanto seu velho parente era considerado um pré-modernista há 100 anos, Márvio presa a literatura “não-moderna”, parnasiana na métrica. Apesar de tudo, ainda que trabalhe com um conceito de poesia um tanto rejeita-do atualmente, ele tem uma vida que, como já visto, não coincide com nada muito con-servador.

Em um ambiente onde tem a liberdade de trabalhar sobre seu tripé vital (jorna-lismo, literatura e música), todos apoiados pela base da palavra, Márvio não está dando uma devida atenção: no blog pessoal A nobre farsa, vivo desde 2001, é fato a queda no número de postagens ao longo dos anos.

No ano em que se formou em Jornalismo pela UFRJ – profissão pela qual ele acredita ser correta a não obrigatoriedade do diploma – o blog obteve 53 postagens. Mas logo em 2002 uma acentuada queda: apenas 15 postagens. Já em 2005 e 2009, apenas uma. Então, quanto mais suas profissões iam progredindo (jornalismo e música), mais o blog transformava-se em algo apenas decorativo. Podendo utilizá-lo como uma melhor plataforma para divulgação de sua banda e de seu próprio trabalho como repórter, este está em decomposição por causa do jornalismo.


Ser contrário é ser artista

Um homem que é um hétero machista em um blog mulherzinha, mas que ao mesmo tempo faz parte de uma banda de glamour rock (em si já um paradoxo) onde se monta de plumas, paetês, unhas pintadas e lápis nos olhos, já tendo até gravado com o pai da performance no Brasil: Ney Matogrosso. Depois, um roqueiro que já bebeu do balé clássico e do canto lírico.

Um homem que vai contra a maré na literatura: em pleno século XXI escolheu ser parnasiano, sendo isso mais evidente no contraste feito com seu parente mais ilustre, o poeta Augusto dos Anjos considerado há 100 anos um pré-modernista. Mas vivendo numa vida bem moderninha, a arte pode ser arcaica, mas sua plataforma não. É na inter-net que está sua poesia, livre para o acesso. Com familiaridade na rede (com facebook, orkut, twitter, blog), é de se estranhar que o jornal editado por ele seja fraco nesse meio: o Destak ainda não saiu do século XX em conceito de internet e jornal impresso: seu site é apenas uma reprodução das notícias saídas no dia pelo diário. Isso fez com que para o periódico Osama Bin Laden só tenha morrido terça-feira, já que apenas o jornal de terça noticiou uma morte pouco relevante ocorrida no domingo de noite.

Com isso, esta pessoa com múltiplas funções e, portanto, muitos contrastes é, na verdade, bastante coerente em sua intenção: “Quero ser lido e relevante.” Mas então nós não temos que compreendê-lo demais da conta, pois isso pode fazer com que seu charme vá embora. Portanto, temos que entrar “dentro dele” e ir com ele pelo seu caminho.

domingo, 15 de maio de 2011

Aparecida desaparecida

Ela bate palmas não para cantar parabéns, não para aplaudir uma peça teatral, mas sim para pedir coisas na casa das pessoas. “Oh, meu anjo! Tem alguma coisinha pra tia?” É raro alguém ter, mas ela volta e meia estará à sua porta, querendo “qualquer coisinha.” Há anos ela é presença certa pelas ruas do Grajaú, junto de seu cachorro meio carcomido. Mas há dois meses, ela contava chorando para os que desciam do 422 (Grajaú – Cosme Velho) na esquina das Ruas Canavieiras e Caruaru, que ele havia simplesmente sumido: “Ele não é de fugir, tadinho. Não sei quem é que pode fazer essa maldade com a gente.”



Depois disso, Maria Aparecida (como ninguém a chama, ainda que conste como seu nome oficial) ficou sem ser vista pelo bairro durante um bom tempo: “Tava no meu canto.” No entanto, ela ressurgiu na noite de quinta-feira 12 de maio, ainda sem seu cão, batendo palmas para o número 228 da Av. Engenheiro Richard. Sorrindo com uns quatro dentes na boca, ela (negra, magra, com cerca de 50 anos, cobrindo os cabelos com um pano branco) pede qualquer coisinha. Pelo muro, o dono da casa a oferece um copo d’água: “Posso te perguntar uma coisa?”



Ela não tem lugar certo para ficar: “Eu ando por aí, durmo mais na (favela da) Divineia.” Mas ela não tem um barraco e sim dorme em qualquer canto. Quando chove, ela vai para o Hospital do Andaraí e dorme debaixo da árvore que fica no meio de seu estacionamento. Quanto a seu cachorro, deve mesmo ter sido levado por alguém: “Ele sempre andou comigo. Acho que não pegaram ele, devem ter matado.”



Agora, já sem família, se vê privada da única companhia certa que tinha: “Meus pais devem ter achado que eu sumi também. Agora não adianta mais voltar porque eles já devem ter morrido.” Saiu de Duque de Caxias “tem tanto tempo que não lembro” e se viu sem perspectiva de vida, ficando apenas na Praça Saens Peña se drogando junto a outros mendigos. Nesse ínterim ficou sem documentação, sem mais roupas além das do corpo e sem dignidade.



Sem sutiã e com os peitos caídos quase na altura do umbigo, a mendiga Aparecida é inexistente para as pessoas: segundo ela, perambulando pelo Grajaú, nunca a chamaram pelo nome, por qualquer nome. “Falam comigo me chamando de ‘ela’, ‘senhora’, ‘tia’, ‘psiu.’ Se eu não tô doida, você aqui é o primeiro que me pergunta o nome.”



Questionada se não tem vontade de voltar para casa e ter um emprego, afirma que não deve mais ter ninguém em sua cidade porque seus pais com certeza já estão mortos e eles na época em que vivia por lá eram seus únicos parentes. Sobre o emprego, diz que tem problema no pulmão e que não tem como trabalhar.



– Mas qual sua doença? – pergunta o repórter.



– Ah, dói, dói bastante. Não posso porque dói muito. Mas a Igreja daqui da esquina me ajuda bastante.



Puxando um carrinho de feira cheio de sacos plásticos, ela diz que tem de ir. “Muito obrigado, Deus te abençoe. Você é um anjo, filho.” Sai pela rua como sempre o fez, pronta para bater palmas em mais uma casa, ainda que desta vez sem seu cachorro.



Perfil da mendiga Maria Aparecida.

(500) dias com ela

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Gay Talese está infiltrado


Primeiramente, Gay Talese só pôde escrever tantos detalhes sobre a vida de Frank Sinatra porque deram-lhe espaço para isso. Caso a “Esquire” tivesse dado apenas 2 páginas para o perfil, provavelmente a matéria não sairia tão boa. Mas o mais relevante de “Frank Sinatra está resfriado”, escrito em 1965, não é a oportunidade de escrever muito sobre alguém (55 páginas em livro), mas sim a capacidade de se saber tanto da vida do perfilado através de terceiros, sem em nenhum momento ter entrevistado o personagem principal e, além de tudo, relacionar um simples resfriado a uma grande tragédia na auto-estima de um cantor celebridade.

Não podemos dizer que por ser um perfil associado ao jornalismo literário, ou jornalismo narrativo, ele renegue o lide. Há sim uma hierarquização de informações, para que o leitor se envolva no relato, pois se isso não ocorrer logo ele virará as páginas para encontrar matérias mais curtas e diretas. Então, Gay Talese utiliza a enumeração dos compromissos, obrigações e preocupações de Francis Albert Sinatra, então perto de completar 50 anos, para conquistar o leitor. Além disso, é enfático em assegurar a tragédia para Sinatra no fato de estar resfriado: “Sinatra resfriado é Picasso sem tinta, Ferrari sem combustível.” Portanto, a única diferença do tradicional lide é que ao invés de ele ser apenas um parágrafo, aqui alcança em torno de uma página.

Deste modo, outro atrativo do perfil é que ele parte da visão do jornalista do que estava vendo em uma boate onde encontrava-se Frank Sinatra, para em seguida adentrar a fundo em sua vida. E é nessa sutileza, no aprofundamento página após página, que Talese consegue conquistar e ser brilhante. No entanto, entendendo que ele não entrevistou em nenhum momento Frank Sinatra, pensa-se que o cantor haveria de impedir sua presença em locais onde ele estivesse também, como por exemplo na gravação do especial para televisão. Não fica claro, então, se Gay Talese esteve mesmo nesses ambientes – como nas gravações, nas boates etc. – ou se soube do que ocorreu neles através de depoimentos de seus vários entrevistados próximos de Sinatra.

Mas a questão que fica é se Gay Talese – e, portanto, sua matéria “Frank Sinatra está resfriado” – passou a ter relevância e sucesso apenas após a publicação em 1973 da coletânea organizada por Tom Wolfe. Nela encontram-se todos os que hoje são considerados os maiores jornalistas do ramo que passou a ser chamado de “new jornalism” apenas ali, como Truman Capote (“A sangue frio”), Gay Talese (perfil de Frank Sinatra, depois publicado no livro “Fama e anonimato”), Norman Mailer (“A canção do carrasco”), Hunter S. Thompson (jornalismo gonzo, revista “Rolling Stone”) e o próprio Tom Wolfe (artigo “There Goes (Varoom! Varoom!) That Kandy-Kolored Tangerine-Flake Streamline Baby”, sobre a febre dos carros customizados no sul da Califórnia).