sexta-feira, 25 de maio de 2012

O falecido Mattia Pascal - Luigi Pirandello

A imutável condição da minha existência sugeria-me, então, pensamentos fora de propósito, extravagantes, quase que tocando a insanidade. Erguia-me num pulo como que para sacudir essa loucura de cima de mim e começava a andar à beira da água, mas via então o mar enviar incessantemente para a praia as suas ondas fatigadas e sonolentas, via aquelas areias abandonadas e gritava com raiva, agitando os punhos: 


– Mas por quê? Por quê?
 


domingo, 6 de maio de 2012

O homem e a ilha


A relação do homem com a ilha era de grande intimidade. Ele ali estava desde bem cedo e não havia com muita clareza em seu calendário o dia em que passou a ser da ilha. Apenas tinha a certeza de que cada grão de areia daquele círculo era seu irmão. Pelas manhãs, percebia como cada árvore estava mais verde, mais seca, mais florida, mais frutificada, maior, menor. Caminhar por toda a extensão da ilha não era muito sacrificante, pois ela não tinha mais que o tamanho de uma caixa de sapatos. Rodava-a e via a água em volta aparentemente sempre preta e tudo por dentro do espaço sempre denso. Mas ele tinha a impressão de estar sozinho na ilha e desconhecia a forma pela qual dela fugiria. Não sabia nadar.

Dormia e acordava de forma mecânica e sonhar era de certa forma um privilégio, porque passava tudo tão rápido quando fechava o olho que parecia ser a vida o sonho verdadeiro e o sonho em si os dias sem sentido. Sabia ser um alívio dormir, porque despertado ele pensava nos motivos e nas razões para estar ainda de pé em um lugar onde nada poderia ser construído, nada poderia ser produzido, nada poderia existir além dele, nada além dali reverberava. Ele por si mesmo naquele círculo vazio. Uma casa não poderia existir porque como se constrói uma casa? Uma profissão não poderia ser exercida porque trabalhar para quem, com o que, para ganhar o que, para trocar por o que? Um mundo novo não poderia nascer porque com quem se multiplicar? Estudar o que, por meio de que plataforma, para transmitir a quem? Vestir-se para não envergonhar a quem, se ele era apenas um? Ele era inútil.

Ele de branco transformou-se em vermelho. A pele doía pelo sol direto no corpo. Sem proteção, esteve aberto ao câncer cotidiano. Roupa era apenas aquela: calça, chinelo, camiseta. O tempo definhava tudo e a vestimenta era a mais explícita das decomposições. Mais pelado, mais sensível. Os dentes caindo paulatinamente, comendo aquelas frutas apenas. Caso se comesse, seria salgado, porque o sal daquele mar já era tão dentro dele, onde se banhava com cuidado dia e noite. Não sabia mais falar, não tinha ninguém para conversar, e o cotidiano mudo danificou suas cordas vocais, as deixando enrugadas, secas, inauditas. O mundo, aquele mundo, foi fazendo todo o sentido para seu cérebro: aquela ilha era o mundo, ele era o homem daquele mundo, aquelas árvores eram as plantas do mundo, a água em volta era toda a água que aquele mundo suportava e não houve nada antes e não haverá nada depois da passagem do homem do mundo pela ilha, que era o mundo.

Nenhuma pedra. A ilha era só areia e aquela vegetação densa, porém esparsa, que vivia. Fofa no meio e um tanto consistente apenas onde a água batia. Nenhum peixe encalhou na areia enquanto o homem esteve na ilha. Não sabia nem se peixe tinha naquele mar. Não sabia o que era um peixe, pois o viu apenas em sua vida pré-ilha, mas não existe mais sua vida pré-ilha (hoje ele é completamente uma ilha). A ilha era apenas um grande campo de existência passiva. Eram as plantas as únicas beneficiárias da ilha. Ela as sustentava. Do seu sustento, elas cresciam e delas iam nascendo outras, mas o homem não sabia mais como uma planta crescia e com que objetivo e como vão nascendo outras árvores do nada do chão vacilante. Plantas e ele o único animal.

Foi escurecendo naquele dia, mas qualquer dia poderia ser aquele dia porque não fazia diferença os dias porque afinal todos os dias são dia e noite e todos os dias há o sol e há a lua e todos os dias aquele mar estava ali mas era ele o diferente todos os dias porque cada dia era menos um dia e cada vez mais morto ele estava porque não entendia um motivo para ser. Mas aquele dia escureceu. Ele escureceu mais do que jamais escurecera antes. Deitado depois de comer uma banana que havia caído, ele virou-se, mas não fechou os olhos e a areia entrou na sua vista e ele afundou mais a cabeça sentindo todo aquele ardor e ele chafurdou na dor experimentada e incompreendida. Assim, assim. Apenas um fim e não um meio.

Seu nome qual era, ele desconhecia. Ele não se chamava como quem chama “Abigail!”, porque ele já é ele. Então, é inútil um nome. Por mais que não se expressasse mais verbalmente, por um tempo ainda pensava as palavras, o nome das coisas. Mas depois não sabia nem mais o que era um “pé”. Prostrando-se, virou um acessório daquela ilha. Uma árvore, ele é. Seu nome hoje, na ilha: “planta”. Cresceu planta. 

Hoje: “O ClimaTempo informa que a previsão para este fim de semana é de chuva intensa e maré alta.” A caixa de sapato foi entrando dentro da água e o homem – agora planta – não pôde fazer nada. Morreu afogado porque não sabia nadar no mar sem peixe e aparentemente preto. 

Amanhã: Encontraram a ilha depois que a maré baixou. Nela, no entanto, viram apenas a areia. O nome dessa ilha? Porque o narrador não sabe, a personagem não sabe, o leitor não sabe, mas eu sei: Ilha...

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Suicídios construídos

Um dia eu creio que bati a cabeça no chão, tão forte, que agora eu sou apenas essa dor latejante. Não é que eu seja muito triste; sou é muito prostrado. A mínima e mais inesperada atitude me deixa em estado de choque e alucinação, indeterminadamente. Da mesma forma, sou tão feliz: aquilo que não deve realmente ser de verdade "a felicidade", mas sim o euforismo. O misto constante e falsificado inventado todos os dias para suportar os dias.

No percurso, ocorre algo que quebra.