quinta-feira, 29 de julho de 2010

Hispano-brasilidade



Hoje tive a confirmação de que consegui obter minha cidadania espanhola, provinda de meu pai, em razão da vinda de meus avós ao Brasil, em 1951 (avô) e em 1957 (avó). Com isso, mudo de nome também, para a Espanha.

Aqui, chamam-me Guido Vieira Arosa. Lá, de Guido Sobral Vieira.

Pois é, Clarice está mais próxima de mim do que pensei. Não é, Chaya?

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Clarice,


Leia-me, ou decifro-te.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

É o que tem pra hoje – Fé, milagre e religião: questões eternas, na brevidade do jornal, discutidas a partir de anúncios e árvores

Graciliano Ramos, nesta crônica escrita nos anos 1940, tendo como pano de fundo uma leitura cotidiana de anúncio em jornal, problematiza religião, fé e seus milagres. Uma mulher, então, agradece Nossa Senhora pela graça concedida em madrugada conturbada. Sem saber mais nada do anúncio, o cronista faz conjecturas em cima das possíveis razões que levaram a senhora a ficar tão aflita. Ele, então, em “Um milagre”, faz uma reflexão sobre o que leva alguém a ter fé e crer em milagre provindo da mesma. Utiliza, ambos – tanto ele, quanto Clarice Lispector, como explicitado mais adiante –, não humor puro e simples, mas ironia rebuscada, deixando latentes conclusões profundas ao leitor. No último parágrafo desta crônica que a ironia fica mais evidente, haja visto que afirma que provavelmente quem não rezou, acreditou, pediu nada a Deus e companhia, igualmente deve ter se salvado (determinismo e descrença remanescente de sua obra literária). No entanto, percebe-se toques irônico-sarcásticos em toda narrativa, primeiramente com o simples fato de um anúncio ter sido utilizado para veicular algo tão inco-mum, assunto tão profundo para um meio tão simples.

Já Clarice Lispector, em seu trabalho aqui analisado, dos anos 1960, tem em si mesma a personagem principal, como em toda a sua literatura, na verdade. Desenvolve-se em cima de sua descrença e afirmação de que milagres, com ela, não acontecem. Apesar disso, diz que viu que milagres com ela podem vir a acontecer porque sempre folhas caem em cima de sua cabeça, como se ela fosse a escolhida. Junta-se, aí, a banali-dade de folhas que caem de árvores em cima da cabeça de pessoas a uma grande ironia que se afirma no fato de milagres (algo, segundo a Igreja, não tão comum de acontecer e de se provar) serem provindos a partir disso. Mais adiante, torna-se mais que irônica, e sim sarcástica, ao dizer que, quando uma folha resolveu cair não em cima de sua cabeça, mas em seus cílios, achou “Deus de uma grande delicadeza.”, de quem sempre duvidou. A grande epifania.

No que tange uma comparação entre as crônicas, Clarice mostra-se mais, como é comum a ela, definitivamente. Isso de mostrar-se a aproxima do que é a crônica e seu cronista: falar de suas experiências a partir de seu cotidiano. Graciliano problematiza mais sutilmente, enquanto ela é mais voraz, ainda que os dois cheguem a vislumbramentos tão consternantes quanto. Ambos, como dito, possuem grande ironia (mais mordaz que humor), característica da crônica, a partir de sua brevidade. A conclusão que se chega da leitura delas é idêntica, ainda que através de elementos supostamente distintos: um de afastamento (crônica de Graciliano) e outro de aproximação (crônica de Clarice). Ele afirma que mesmo quem dormiu e não pensou em Nossa Senhora devem não ter morrido, não tendo recebido portanto nenhuma graça, sendo salvos por outros motivos. Ela diz que Deus foi de uma grande delicadeza quando, conhecendo sua obra e interpretando sua crônica, vê-se que ela duvida deveras de sua existência e de sua atenção para com ela (Clarice como uma eterna Macabéa). Para eles, assim, Deus, fé e religião são termos vagos, de difícil determinação e bem particulares, sendo “Um milagre” e “O milagre das folhas” uma crítica à sociedade passivamente catequizada.

Mas como a partir destas duas crônicas pode-se problematizar o conceito em si de crônica? Deus, religião, fé e milagres são temas, há de se convir, latentes em qualquer pessoa e presentes na vida de todos. Portanto, pertinentes a uma crônica. Agora, ao mesmo tempo, tais são problemas metafísicos presentes constantemente na literatura, o que os faz serem encontrados em grandes obras. Com isso, tais não seriam condizentes com a “brevidade” e ar “de coisa sem importância” da crônica. Em contrapartida, grande parte da “alta literatura” não é feita a partir de experiências próprias e cotidianas de seus autores?

Qual seria a resolução deste paradoxo? Tem-se nas crônicas analisadas uma partida: cotidiano (notícia de jornal e folha nos cabelos) e eterno (milagre, Deus, fé, religião). A crônica é, portanto, um meio para discutir-se grandes temas, de qualquer área. Na soma do superficial (mais explícito) com a ideia mais profunda (menos explícita) resulta-se em geração de grande reflexão no leitor, despretensiosamente. Mas muito desta fórmula é encontrada dentro da literatura extra-jornal. Isso acontece em razão da literatura moderna brasileira. Nela há mais simplicidade e experimentação, afastando-se de grandes afetações. O cotidiano é trazido para o livro. Com a maior democratização da literatura, há acesso mais livre entre a mesma pessoa que escreve crônicas e livros, chegando ao ponto de um livro ser uma grande crônica e uma crônica um grande livro.

Bibliografia:

1 SANTOS, Joaquim Ferreira. (org.) As cem melhores crônicas brasileiras. Ed. Objetiva LTDA. 1ª ed. 2005;

1.1 RAMOS, Graciliano. Um milagre. In: ____. Linhas tortas: obra póstuma. 11ª ed. Rio de Janeiro, São Paulo: Record, 1984. p. 123-124;
1.2 LISPECTOR, Clarice. O milagre das folhas. In: ____. A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999. p. 165-166;

2 CANDIDO, Antonio. A vida ao rés-do-chão. In: ____. Recortes. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2004. p. 26-34;

3 BOSCO, Francisco. O ensaio e a crônica. In: Segundo caderno, p. 2. Jornal "O Globo". Rio de Janeiro: quarta-feira, 07 de julho de 2010, ano LXXXV, nº 28093.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Retrato do artista quando jovem

Do que foi perdido em poesia

Não sei quem sou.
Porque me perdi – na esquina aqui de casa –
Quando fui comprar pão.

Não sei se me acharão.
Porque – logo que me perdi –
Passou um de lixo: caminhão.

Não sei o que farão.
Porque me perdi – muito cedo e para muito longe.

Mas quem sabe
Lá longe, desde muito cedo
Não seja mesmo meu deslocamento?

domingo, 18 de julho de 2010

Fragmentos literários ou Estratégias de marketing

II) O analista - "Coagido e sem saber o que responder, o personagem recebeu o sexo em seu sexo e teve a sensação de como o mundo era mundo pela primeira vez, aos doze anos de idade, ao lado de um velhote repugnante e impotente de cinquenta e seis insuportáveis anos."

O complexo melancólico ou As veias carcomidas de uma vida bandida


Desejo este livro a todas as frustrações, pecados, traumas e artes disponíveis, vividas, contadas e lidas, que proporcionaram-me vida criativa.

***

“Escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens. Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias. Mas preparado estou para sair discretamente pela saída da porta dos fundos. Experimentei quase tudo, inclusive a paixão e o seu desespero. E agora só quereria ter o que eu tivesse sido e não fui.” A hora da estrela – Clarice Lispector

***

Sumário

Prefácio
I – A vida da morte
II – O analista
III – Sentimento póstumo
IV – Os fracassados
V – Morando com vovó
VI – Deus e o esquizofrênico
VII – O oprimido
VIII – Amar: Transtorno obsessivo compulsivo
IX – O escritor
X – Poemas solitários
XI – Os garotinhos
XII – A via crucis do corpo
XIII – Do que foi perdido em prosa
XIV - Do que foi perdido em poesia
XV – A mãe, o pai, o irmão, a avó e a psicanálise
Posfácio

terça-feira, 13 de julho de 2010

Morreu o JB (Jacaré Banguela?)

O "Jornal do Brasil", assim como o Orkut e a Dercy Gonçalves, morreu. Permanecerá, assim como o Orkut e a Dercy Gonçalves, para sempre na Internet e em nossos corações.



(Notícia da morte de Salvador Allende = O jornal não poderia dar foto e alarde sobre o assunto, por causa da ditadura. Então, não colocou nenhuma foto e nem manchete, mas deu a notícia em primeira página e com todos os detalhes)

quinta-feira, 8 de julho de 2010

O discurso descentralizado e esquizofrênico de "Quero ser John Malkovich” na experiência de realidade, controle, poder e identidade



Para a elaboração deste trabalho, será analisado o filme Quero ser John Malkovich, de 1999, no que tange suas relações entre a loucura aparentemente exposta e as entrelinhas de poder, visibilidade, controle e discurso. Portanto, inicialmente, há de se compreender a metáfora que se quer propor: a experiência esquizofrênica, mais notoriamente percebida em John Malkovich – ao passo que todas as personagens possuem, diante de interlocutores normais (espectadores), certo nível da mesma – como uma representação e esquematização do processo de controle instituído pelas sociedades – voz de Maxine, Lotte, Craig e Lester sendo a voz dos controladores (governo, família, escola, polícia) e John Malkovich sendo o objeto de desejo, do discurso, do saber e do controle: o controlado (governados, filhos, alunos, presos). Como base, portanto, para o melhor desenvolvimento do cerne conceitual da dissertação, serão utilizados conceitos vislumbrados por Michel Foucault e Gilles Deleuze, tendo no primeiro a ideia do sistema do panóptico e das sociedades disciplinares de controle e, no último, sua atualização, trazendo-os para a sociedade disciplinar pós-moderna cibernética, que para ele deixaram de ser “sociedades de controle” e passaram a ser “sociedades disciplinares” (FOUCAULT, Vigiar e punir e DELEUZE, Post-Scriptum – Sobre as sociedades de controle, in L’Autre Journal), assim como também outros aspectos deflagrados em vasta obra de Foucault, como A ordem do discurso.

“Por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca coisa, as interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e com o poder.” (FOUCAULT, 1996, p.10) Em A ordem do discurso, juntamente da relação feita entre discurso-desejo-saber-poder, há a questão de sua credibilidade e visibilidade. Ou seja, o discurso é apenas valorado, destacado da multidão, tornado em ação, quando imbuído de um enunciado relevante e diferente, que o eleva do mar de igualdade, sendo um fator que auxilia deveras em todo o processo a pré-credibilidade de seu autor. No filme, vê-se, então, em Craig Schwartz (John Cusack), o processo de exclusão e posterior aceitação, que aqui será entendido através do mecanismo discursivo e simbólico. Ele, na história, inicia sua trajetória em um estágio de depreciação profissional, pois ele é um homem medíocre, comum e dentro da sociedade deve estar inserido em uma ocupação igualmente medíocre e comum. No entanto, ele persiste em ser um titereiro, algo que é visto por terceiros como uma atitude incompreensível e não reconhecida. Este discurso é bem percebido quando sua esposa, Lotte (Cameron Diaz) pergunta a ele a razão para não ir procurar um emprego normal e quando, na rua, ele leva um soco de um pedestre, ao estar exercendo sua arte e profissão, não sendo um louco e pervertido, como o agressor compreende. Por sua vez, há John Malkovich, ator, reconhecido em sua profissão. Depois do desenvolvimento do filme, com a inserção dos personagens na mente de John, através do portal metafísico encontrado em uma parede do andar sete e meio do edifício em que Craig trabalha, e dos conceitos já depreendidos, entende-se que Craig pretende ser John Malkovich estando inserido em seu discurso e pensamento. Craig não deixa de ser ele quando está em Malkovich, mas ao mesmo tempo anula-se em razão disso. Por exemplo, a profissão de Craig não é reconhecida, ele é diminuído e excluído e sua fala não é ouvida. Estando na pele do ator, este passa a ser o titereiro. Então, passa a ter sucesso e reconhecimento. Ou seja, o mesmo discurso e a mesma forma de trabalhar, na figura de Craig, não têm destaque e visibilidade, ao passo que, quando figurados por Malkovich, que lhe concede uma voz e uma autoria com credibilidade e reconhecimento prévio, encontram um cenário totalmente oposto de admiração, legitimidade e sucesso. O mesmo discurso, a mesma forma de trabalhar, enquanto em Craig, não tem destaque e visibilidade, ao passo que ela em uma voz, um autor, um produtor de discurso diferente, pré-conhecido, com credibilidade, encontra um cenário totalmente oposto, de reconhecimento, sucesso, admiração. Isso muito se dá em conseqüência de Malkovich ser ator, artista, uma profissão onde se pode ser excêntrico, louco. Deste modo, há o mesmo discurso, as mesmas ações, as mesmas propostas, mas depreendidas e decodificadas de maneira oposta. O discurso é, então, maleável e sujeito às relações de poderes e de interesses mútuos que regem uma sociedade de controle e que objetiva aparências e manutenção de padrões. Entram aí as noções de autor e de rejeição/absorção do discurso da loucura. A noção de autor, embora dentro do discurso científico tenha perdido a sua força, nos discursos literários e artísticos ela vem se fortalecendo cada vez mais. Por isso, a arte excêntrica de Craig, enquanto homem comum, só passa a ser creditada quando ele se apresenta como o ator John Malkovich. O conteúdo é o mesmo, o que denota o seu valor é a sua proveniência, a sua autoria. Há de se pensar também, na maneira em que a loucura se articula dentro do discurso artístico. No livro, A Ordem do Discurso, Foucault diz que “(...) a palavra do louco não era ouvida, ou então, se era ouvida, era escutada como uma palavra de verdade.” (FOUCAULT, 1996, p.11). Essa palavra do louco encontra um maior espaço e uma maior legitimidade dentro das manifestações literárias e artísticas. Ora, por sua vez, elas cedem esse espaço exatamente por se tratarem de discursos que se fundamentam nos homens e nas suas subjetividades. Através do processo de subjetivação ao que o homem moderno foi ao mesmo tempo submetido e participante, onde as pulsões, as sensações e as impressões individuais são exaltadas, a individualidade ganhou status. A estrita individualização gerou uma pluralidade de verdades as quais não são desconsideradas ou classificadas em ordem de veracidade. Desta forma, mesmo a loucura, a partir da visão de que ela é verdade ao indivíduo, é ratificada como uma verdade singular. “A loucura não diz tanto respeito à verdade e ao mundo quanto ao homem e à verdade de si mesmo que ele acredita distinguir”. (FOUCAULT, A História da Loucura – 1989. P. 25). Ao mesmo tempo, a produção de subjetivação exigiu um estudo do que há de mais instintivo em nossos aparelhos psíquicos e a esse campo impenetrável, chamado de Inconsciente, foi delegado o ser. Quanto mais profundo e mais próximo do Inconsciente, e assim menos interpretável pelos processos conscientes, tais como a linguagem, mais perto do verdadeiro ser.Quando Craig deixa de estar em John, ele simultaneamente deixa de ser: “Schwartz representa no filme, o espelho desta sociedade que vive uma crise, por não possuir uma identidade sólida ou duradoura. ‘Como é triste ser alguém ’” (SILVA, p.4). John Malkovich não é louco, porque ele se propôs a trazer à sua consciência o estatuto da atuação, enquanto que Craig não o tem, vive e trabalha na “realidade”, sendo visto como louco e não recebendo credibilidade: “(...) palavra do louco não era ouvida, ou então, se era ouvida, era escutada como uma palavra de verdade.” (FOUCAULT, 1996, p.11)

Não saindo por hora da referência ao discurso e loucura, ela só se faz presente na linguagem: “(...) o Outro se faz Outro na linguagem” . No filme, isso se dá quando John Malkovich só percebe a dominação exercida sobre ele quando sua fala é alterada, quando ele passa a dizer o que os outros, que estão em sua mente, querem que ele diga.

Ainda que se diga que artista e loucura somados sejam afins e deem resultados profícuos, é curioso notar como que, no discurso de justificativa de uma obra, encontra-se uma lógica racional para a aceitação de seu destaque e notoriedade, como se não se pudesse aceitar a loucura por si mesma: “O motivo de Rodrigo ser publicado não é a esquizofrenia. Ele tem profunda consciência da dor de perder a razão. Nesse oscilar entre o fluxo descontrolado e a tentativa de controle se estabelece uma fricção, uma luta de linguagens que resulta poética”, afirma Beatriz Rezende, coordenadora do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, comentando obra de Rodrigo de Souza Leão, que publicou dois livros compartilhados com sua esquizofrenia, capa do Segundo Caderno do jornal O Globo do dia 27 de junho de 2010.

Voltando os olhos não mais ao enredo, mas à própria produção dessa narrativa, percebemos que a loucura transpassa seus personagens e se eleva ao nível da elaboração do roteiro. Ele apresenta-se tão incomum, que parece ter sido retirado de um sonho qualquer ou de um momento de aparente loucura. O próprio roteiro apresenta-se como se fosse elaborado oniricamente no mais incompreensível campo do Inconsciente. Desta forma, o filme deixa de ser apenas um filme “louco” ou um filme sobre a loucura e torna-se uma metalinguagem da loucura: a loucura contada através de uma palavra de louco.

Ainda dentro deste campo, há uma cena muito interessante que representa um movimento de rejeição da loucura: o encarceramento. Assim como na era Clássica os loucos eram colocados em navios a seu próprio destino ou internados sem nenhum tratamento, Craig prende Lotte – que já se identifica somente na encarnação de Malkovich – dentro de uma gaiola ao lado de seu macaco (o que já é incomum, pois há vários animais exóticos dentro de uma residência). Isso demonstra a intenção de contê-la, o que remete à ideia Há a cena em que Craig prende Lotte dentro de uma gaiola, ao lado de seu macaco (o que já é anormal, pois há vários animais exóticos dentro de uma residência) que reflete a ideia da clausura diante da loucura e do poder de quem enclausurou em cima do enclausurado. Calar a boca de Lotte, amarrá-la e trancá-la seria a solução para os problema de Craig no momento e a certeza de que ela não faria nada de que ele não soubesse ou gostasse (FOUCAULT. Experiências da loucura, in História da loucura).

Tendo no filme a questão de sua própria linguagem e narrativa, percebem-se momentos em que o conhecimento prévio de mundo do espectador modifica a compreensão total da obra. Quanto mais um produto artístico, neste caso, faz referências a outras esferas, conceitos, artistas, nomes, mais ele vai tornando sua compreensão rarefeita, diante de um senso comum majoritário. Junto a isso, a escolha do modo pelo qual o filme será narrado, fugindo-se dos padrões clássicos, e, por fim, até a região em que ele foi realizado, produzido e a língua falada por ele, fazem com que ele fique mais restrito a determinados nichos sociais. Torna-se a obra, então, em seu discurso, muito “específico”. Uma pessoa que sabe que John Malkovich é o nome de verdade do ator que está nas telas e que Cameron Diaz não possui aquele cabelo, ele estando ali para enfeiá-la, são exemplos de situações que fazem com que quem possui certo conhecimento alcance certo objetivo de compreensão fílmica. Tais artifícios são fartamente encontrados em obras literárias, principalmente nas de Paul Auster – Cidade de vidro, pertencente a A trilogia de Nova York, com o exemplo do personagem Saavedra e, na obra em si, semelhantes questionamentos do ser vistos em Quer ser...

Como já dito, parte-se aqui da ideia de que todos esses outros ‘eus’ de John seriam, metaforicamente, o mesmo processo da esquizofrenia. Portanto, como exemplos desta lógica, há o filme inteiro em si, praticamente, haja visto que ele é todo trabalhado em cima da questão do poder que John Malkovich exerce sobre as pessoas “ordinárias” e o poder que elas conseguem passar a ter sobre ele quando nele estão, ao mesmo tempo em que Maxine exerce poder sobre John e todos os outros. Por mais que essa cama de gato remeta ao poema Quadrilha, de Carlos Drummond de Andrade, há uma relação que se pode ser feita com o conceito de devir, explorado no texto de Deleuze, na instabilidade das consciências das personagens, na inconstância de seus quereres e fluxo constante de pessoas-pensamentos em cima de Malkovich.

Partindo dos conceitos de sociedade de vigilância e do controle através da visibilidade, relacionemos brevemente o filme a esses conteúdos. Craig Schwartz, assim como Lotte, uma vez dentro da mente de John, passam a ser os seus olhos.Craig Schwartz, então, como Lotte, pois ela também entra no corpo de John, passam a ser os olhos de John. O mundo dele passa a ser visto pelos outros e paulatinamente ele passa a ser controlado por esses outros, em seu pensamento. Nesses olhos que tudo veem e que tudo sabem e que tudo controlam, há a vigilância contínua e a formação dos corpos dóceis, ao notarem que estão sendo controlados (1984, de George Orwell e BBB). O quarto banheiro da casa do chefe de Craig, por sua vez, cheio de fotografias de John Malkovich, sem seu conhecimento e consentimento, demonstram peremptoriamente a deflagração do exercício da vigilância e posterior controle sobre os corpos. Lester, chefe de Craig e homem que descobriu o portal e com ele um modo de viver eternamente pelas eventuais “trocas de corpos”, estuda e investiga o seu receptáculo, vigiando-o até que possua o seu corpo. Como um trabalho de investigação policial, essa vigilância baseia-se em fotografias e arquivamento de dados, o que nos remete à obra de Gunning. Arquivamento, aliás, é a função exercida por Craig no filme.

Isso, então, mostra a fotografia como maneira de arquivamento de dados e de possível modo de manipulação. Remete-se, assim, às fotografias policias (GUNNING) e ao próprio emprego de Craig e Lester, de arquivamento.

Outra questão, então, nos é apresentada: a do processo de construção da identidade. Em uma das primeiras cenas do filme vemos o personagem Craig Schwartz (John Cusack) manipulando sua marionete. Através desta, o protagonista demonstra de maneira sutil e subjetiva uma certa busca de identidade. Segundo a definição dos dicionários, identidade significa o aspecto coletivo de um conjunto de características pelas quais algo é definitivamente reconhecível, ou conhecido; no caso da história no filme, Craig não reconhece essas características em si mesmo, logo ele as projeta em sua marionete, visto que ele próprio as constrói – e as constrói para criar situações inviáveis na vida real, situações ideais segundo seu desejos, seus sonhos, suas fantasias –, a fim de, por alguns minutos, poder experimentar a vida através de um outro ser, ver através de outros olhos. No filme, a personagem Craig esculpe uma marionete de Maxine – a mulher a quem deseja e que é inalcançável na sua “forma real” (ou seja, como Craig) por ser um homem casado, não-atraente e mal-sucedido em sua área. A partir dessa situação, o filme relata um diálogo entre os dois em que a idéia de busca da identidade é evidenciada: ao ser perguntado por Maxine o porquê dele gostar tanto de marionetes, Craig responde: “... não tenho certeza, talvez seja a idéia de ser outra pessoa por um instante; Estar em outra pele, pensar e mover-se diferentemente, sentir de outra maneira”.

No filme, Craig cria uma marionete de Maxine – a mulher de seus desejos e inalcançável na vida real – e desenvolve um diálogo entre os dois que reforça a ideia de busca de uma identidade: “Maxine: Craig, porque você gosta tanto de marionetes? Craig: Maxine, não tenho certeza, talvez seja a ideia de ser outra pessoa por um instante. Estar em outra pele, pensar e mover-se diferentemente, sentir de outra maneira”. Fábio Ronaldo da Silva consegue apontar esta questão de forma firme e concisa: “Ela (a marionete) está ligada nele e essa ligação lhe dá sentido, lhe traz a sensação de existir, pois através dela, ele pode ser quem ele quiser. (...) Schwartz consegue a sensação de poder existir com seu alter-ego, ou seja, com o Outro, que é a marionete. Um vínculo é construído e nesse vínculo, ele constrói seu sentido, inventa artificialmente sua vida e tem a sensação de identidade. (...) Torna-se mais atraente sendo outro, encontra sentido ao tornar-se outro.” (SILVA, p.5). Mais adiante no filme Schwartz descobre o fatídico portal no andar 7 ½ que leva a pessoa para a mente do ator John Malkovich e é a partir daí que o protagonista encontra um meio de elevar suas habilidades de titereiro a um novo nível. “Schwartz passa a usar Malkovich como a sua nova marionete, e logo se repete a dependência existente com a marionete de madeira no início do filme. Mas dessa vez tinha algo diferente, ele podia sentir, cheirar, e o que é mais importante, ele podia possuir o seu objeto de desejo, coisa que não podia acontecer com a sua primeira marionete. Agora não havia mais a transferência de sensações, ele estava podendo vivenciá-las da forma mais verdadeira possível.” (SILVA, p.6). Ou seja, Craig, então consegue se apoderar do que ele ansiava na vida real, mas sem se desvencilhar da posição inicial de controlador. Ora, e o que dizer da personagem Lotte? Somente “vestida” de Malkovich é que ela passa a se enxergar como um homem e a ter desejos referentes ao sexo masculino. Só em Malkovich ela constrói a sua identidade masculina.

Podemos, então, expandir essa questão envolvendo o personagem Craig Schwartz para discutir esta mesma questão – a da busca da identidade – na sociedade contemporânea. Tomemos o fato de que milhões de pessoas que utilizam a internet com um meio de entrar em seus “túneis” e controlar seus próprios “John Malkovich”. Sejam eles, na forma de perfis exagerados e/ou omissivos em sites de relacionamentos, ou em personagens virtuais em jogos eletrônicos, etc. Elas se aproveitam do fato de poder criar seus avatares de acordo com características que elas acham fazer falta em suas vidas, sejam estas características físicas ou de sua personalidade. “Essa necessidade de se construir uma identidade bem delineada e digna de confiança tornou-se um fardo que dificulta o mover-se na vida.” (SILVA, p.4).

Em suma, diante de todos os exemplos dados e da análise do filme, de que, diante da sandice, excentricidade, de todas as personagens, há uma causa. Ou seja, a vigilância e o controle, o vigiar e controlar, o ser vigiado e ser controlado, em excesso, seriam gerados de loucura. Por fim, então, há a chegada em uma conclusão: se a esquizofrenia é a metáfora do poder sobre a sociedade, de quem tem poder sobre quem recebe o poder (sempre alguém exerce poder sobre outro alguém, nem que seja a própria mãe ou Deus, em se tratando, hipoteticamente, de um soberano máximo), e isso em que vive-se sendo uma sociedade governamental de controle, ou de disciplina, como preferem, respectivamente, Foucault e Deleuze, então o governo e esse esquema em si são esquizofrênicos e se forem tratados como eles mesmos tratam a esquizofrenia, deveriam ser internados em um hospital, para tratamento. Portanto, hipocritamente se controla e hipocritamente se é deixado controlar.

Bibliografia

1) FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Edições Loyola, 1996;
2) _______________. O olho do poder, in Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1985;
3) _______________. História da loucura. São Paulo: Editora Perspectiva, 1989;
4) _______________. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1983;
5) DELEUZE, Gilles. Sobre as sociedades de controle, in Conversações. Editora 34;
6) GUNNING, Tom. O retrato do corpo humano: a fotografia, os detetives e os primórdios do cinema, in O cinema e a invenção da vida moderna.
7) SILVA, Fábio Ronaldo da. A questão do ser em "Quero ser John Malkovich" http://www.bocc.uff.br/pag/ronaldo-fabio-jonh-malkovich.pdf
8) BLOCH, Arnaldo. Um surto de arte – Um ano depois de sua trágica morte, o escritor e pintor esquizofrênico Rodrigo de Souza Leão renasce com novo romance, 35 telas e reedição do livro de estreia. O Globo, 27/06/2010.


Filmografia

1) “Quero ser John Malkovich” (Being John Malkovich), 1999. Diretor: Spike Jonze; Roteirista: Charlie Kaufman.

domingo, 4 de julho de 2010

Radiodifusão: atualidade, anacronismos, política e ingerência


Por meio da disciplina de Sistemas e Tecnologias de Comunicação, será realizada uma resenha crítica sobre a adoção do sistema de televisão digital, no Brasil, tendo como base trabalhos acadêmicos e matérias jornalísticas nacionais, no que tangem sua crítica, seu complexo sistema de adoção e seus perceptíveis interesses e ingerências, tanto na esfera política, quanto na da própria comunicação social, através da “grande mídia”, aqui normalmente familiar. Deste modo, há duas matérias veiculadas no Obser-vatório da Imprensa, http://www.observatoriodaimprensa.com.br/, uma do dia 27 de março de 2006 – “Os radiodifusores falam com uma só voz”, de Venício A. de Lima – e outra do dia 03 de abril do mesmo ano – “Denúncia: nosso sistema ser ‘analógico’”, de Israel Fernando de Carvalho Bayma. Em seguida, dois trabalhos acadêmicos, oriundos do II Encontro da Ulepicc: Bauru, 2008 (União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura) – Digitalização e Sociedade, realizado entre os dias 13 e 15 de agosto de 2008, ambos fazendo parte do grupo de trabalho de políticas de Comunicação – “Agenda de regulação, uma proposta para o debate”, de Gustavo Gindre Mon-teiro Soares; e “A radiodifusão em tempos de digitalização: confluências e contradições de uma legislação fragmentada”, de Octavio Penna Pieranti. Por fim, trabalho do pós-doutor Murilo César Ramos, do final dos anos 1990, entitulado “Televisão a cabo no Brasil: desestatização, reprivatização e controle público”. Sendo assim, pretende-se entender o mecanismo de avanço das políticas de comunicação no que se refere à atual si-tuação de crescimento da Internet e adjacências, e a vigência de anacronismos como o coronelismo eletrônico.


Os textos fazem referência tanto à televisão a cabo (Murilo César Ramos), como à questão da implementação da televisão digital, seu modelo e sua política de afirmação. Com redações mais e menos atualizadas, percebe-se que as últimas leis que alteraram condutas dos meios de comunicação nos últimos anos foram as de liberação de participação, ainda que pequena, estrangeira, nos meios nacionais (Octavio Penna Pieranti), de 2002, sendo as razões para afastamento, segundo o autor, basicamente duas (caso de descumprimento de normas, é mais fácil acionar judicialmente empresas que são regidas pelas leis nacionais; fora que, como a radiodifusão é de “interesse nacional”, era-se presumível que apenas brasileiros a controlassem). A última são as que dizem respeito à televisão digital (SBTVD – Sistema Brasileiro de Televisão Digital), ainda que, segundo o “Observatório da Imprensa”, permaneça-se o modelo analógico, já vigente (Israel Fernando de Carvalho Bayma), demonstrando-se o poder das grandes mídias e do coronelismo eletrônico e do clientelismo político.
Quanto ao modelo de televisão digital a ser adotado, Venício de Lima afirma que, com o modelo japonês, não haverá alteração no modelo de negócios vigentes e que as emissoras poderão transmitir seu conteúdo para celular diretamente, sem que seu sinal necessite passar por operadoras de telefonia móvel. Portanto, mais autonomia aos canais e menos para as operadoras de telefonia. De outro modo, o modelo europeu de televisão digital, que igualmente permite transmissão simultânea em alta definição e pa-ra celulares, favoreceria e daria mais autonomia às operadoras, pois permitiria à elas utilizar parte dos canais UHF e VHF para transmitir conteúdo. Portanto, o modelo europeu seria uma ruptura, fazendo com que entenda-se a pressão das Organizações Globo para a implementação do modelo japonês de televisão digital. Já Israel Fernando de Carvalho afirma, como explicitado no parágrafo anterior, que o padrão da televisão digital no Brasil será análogo com o que já existe, fazendo, em seguida, uma boa explicação do que é a televisão digital e do que se trata uma televisão análoga. Através da explicação, ressalta que “Se o sinal for realmente muito fraco, a transmissão poderá ser até mesmo interrompida onde, sob as mesmas condições, uma transmissão analógica ainda poderia ser assistida (porém, com imagem muito ruim).” Então, através das “denúncias” de que o sistema será mantido analógico, “Até o Senado da República e Câmara dos Deputados (...) proporão Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para apurar os respon-sáveis e culpados por este escândalo. Será a CPI da Mídia.” Através, enfim, de enume-ração dos “monopólios” dos canais de televisão brasileiros, “o mais importante dos mo-dernos meios de comunicação.” (RAMOS, p.3), é complexo de se compreender, para o jornalista, a razão para ter-se prioridade na escolha do padrão digital, em um país onde 46 milhões de domicílios possuem televisão aberta e gratuita e apenas 26 milhões com fogão e mais de 10 milhões sem energia elétrica.

Todas as políticas de comunicação apresentadas e vigentes no Brasil, sendo a primeira remanescente da década de 1930 (PIERANTI, p.1004) – já, por sua vez, atrasada, haja visto que foi implementada “quase uma década depois de as primeiras emissoras de rádio começarem a transmitir sua programação regularmente no país.” – não atendem satisfatoriamente às alterações culturais implementadas pelo advento da Internet. As leis discutidas por Murilo César Ramos são da década de 1990 e discutem televisão a cabo, sendo, nesse caso, até compreensível não discutir-se sobre a Internet. Entretanto, na lei de 2002 que trata da presença estrangeira nos meios, não se faz referência à Inter-net, havendo, então, um vazio. Não houve, por meio de quem a lei fez, compreensão de que a Internet é também um veículo de comunicação e que há sites noticiosos, dentre outras coisas, com total caráter de meio de comunicação social, de jornalismo. Hoje ainda, com a discussão da implementação da televisão digital – algo que, nos textos, vai até o ano de 2008 – não se percebe uma real noção da Internet inserida no mesmo balaio de gatos. Alterando um tanto esse quadro, há o trabalho de Gustavo Gindre Monteiro Soares, que discute convergência de mídias, passando por governança na Internet. Assume, também, o argumento de que as políticas implementadas no país são difusas, incipientes e presas em politicagens: “Esta pesquisa assume o pressuposto de que a regulação é um processo político, marcado pelas disputas entre os diferentes atores sociais envolvidos no processo, não sendo, portanto, nem neutro nem imparcial.” (SOARES, p.600).

Fora as ingerências encontradas dentro das políticas de comunicação, há um estereótipo de que toda e qualquer lei que tente regular algo dentro da comunicação social configura-se como censura. Muito bem posto por Murilo César Ramos, ele afirma que a primeira grande ação democrática por parte de governo para ação da comunicação foi a Primeira Emenda à Constituição americana (p.2-3), que deu total liberdade de ação a ela e onde vê-se razão para a frase de que é melhor uma imprensa sem governo, do que um governo sem uma imprensa. Retomando ao estereótipo, Murilo César Ramos afirma que o fato de Estados Unidos, Inglaterra e Japão terem se retirado da UNESCO, na década de 1980 (p.4), à relação entre políticas de comunicação e socialismo. Então, apenas com o fim da ditadura militar, em 1984, para ele, que as coisas recomeçaram a serem discutidas. Ainda historicamente falando, percebe-se que já há tempos há a ideia de relação entre comunicação e poder estratégico, com afirmação do presidente militar da República Arthur da Costa e Silva: “mais comunicação é mais segurança, mais bem-estar, maior velocidade na penetração da civilização contemporânea nos distantes e silenciosos rincões de nossa Pátria.” (p.3, citando MATHIAS, 1999, p.162).

Quanto ao trabalho de Murilo César mais especificamente sobre a regulamentação da televisão a cabo no Brasil, ele descreve o processo trilhado pelo projeto Tilden Santiago e suas adjacências. Este cai em esquecimento, em razão da revisão da Constituição de 1988, no ano de 1993. É posto, então, outro parlamentar, que não Koyu Iha e nem Irma Passoni, diretamente envolvidos no projeto Tilden Santiago para comendo no governo da questão. Em substituto ao “Fórum/Telebrás”, uma rede única, rede pública e participação da sociedade, complementando a “reprivatização (sabe-se que televisão a cabo seria de atuação privada, que nem nos EUA, mas qual interesse público nisso?), desestatização e controle público.” (RAMOS, p.8) Tal caráter privado é perceptível com a criação Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA), comandada pelas Organizações Globo, Grupo Abril e Multicanal. Sobre o projeto Tilden Santiago, em 26 de junho de 1994, o parlamentar Koyu Iha apresenta um substituto (p.12), promovendo a lei 8.977/95, lei da TV a cabo. Na problemática da tríade proposta no título do trabalho de Ramos, o caráter público da lei permitiu que canais gratuitos para o Senado, a Câma-ra Federal, Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores, instituições universitá-rias e de caráter educativo-cultural, como também para entidades comunitárias. Porém, pondera: “Mas, se a regulamentação da TV a Cabo foi capaz de trazer uma importante inovação no que tocava ao caráter público do serviço e das redes, a ideia do controle público, como complemento do processo de desestatização e reprivatização, jamais vingou.”
Com tudo o que foi explicitado no trabalho, concluindo, entende-se que ainda há muito que ser feito, que a radiodifusão brasileira ainda encontra muitos percalços pelo caminho e que um bom entendimento das novidades mais agilmente deve ser posto em prática legal. Há de se ter, então, um menor monopólios dos meios de comunicação – leia-se Organizações Globo, principalmente –; uma regulamentação da comunicação proveniente da Internet, tanto no que tange a participação estrangeira no setor, como qualquer outra inclusão da mesma em leis de comunicação social; um menor coronelis-mo eletrônico, remanescente dos monopólios familiares, como também dos interesses que os políticas possuem dentro da área; como também, finalmente, um maior controle por parte de órgãos oficiais reguladores, preferencialmente isentos e independentes de governos e empresas privadas, que possam punir e investigar mais eficazmente deslizes, como o da adoção do sistemas japonês para a televisão digital, que visa apenas a manter o vigente processo analógico; fora que a prioridade de uma nação deve ser sua popula-ção no que se refere à educação e saúde, não a televisão digital. Tudo, pois, pode ser posto em uma frase extraída da ma-téria do Observatório da Imprensa, “Denúncia: nos-so sistema será análogo”, de Israel Fernando de Carvalho Bayma, em fim de reporta-gem: “Como será difícil justificar para as próximas gerações que o Sistema Brasileiro de Televisão Digital, o SBTVD, não previu preliminarmente a modernização de todo o arcabouço legal da comunicação social eletrônica. Como será difícil justificar que a ausência de uma política pública de comunicação de massa continuará contribuindo para a criminalização das rádios comunitárias; impedindo uma comunicação democrática não monopolista, e, ao mesmo tempo, continuar beneficiando quase-monopólios privados do rádio e televisão brasileiros.”

Bibliografia
RAMOS, Murilo César. Televisão a cabo no Brasil: desestatização, reprivatização e controle público;
PIERANTI, Octavio Penna. A radiodifusão em tempos de digitalização: confluências e contradições de uma legislação fragmentada;
SOARES, Gustavo Gindre Monteiro. Agenda de regulação: uma proposta para o debate;
LIMA, Venício A. de. Os radiodifusores falam com uma só voz;
BAYMA, Israel Fernando de Carvalho. Denúncia: nosso sistema será “analógico”.

sábado, 3 de julho de 2010

Mata-me Francisco Bosco

Isso não pode ser gente
Isso só pode ser alma

Mata-me Francisco Bosco
Fragmentos de um discurso platônicoamoroso

"Sou Barthesiano"

Posfácio

Posso até não gostar do que foi escrito, mas já foi escrito. Fazer o quê? Até endireito certos erros gramaticais, certas vírgulas fora do lugar, certas palavras exaltadas demais. Porém, sinto-me incapaz de inutilizar qualquer um destes contos. Por mais que eu ache que aquilo não presta, deve ser porque eu não estava prestando no momento em que o escrevi. Portanto, ao acreditar que o que foi posto teve algum motivo real e especial para ali estar, ponho em minhas letras as palavras de Mário de Andrade, para Carlos Drummond de Andrade: quando você mostra seus escritos para outros e os mesmos gostam deles, os poemas e prosas já não pertencem mais a você, e sim ao mundo (ou algo do gênero). Por mais que o mundo o rejeite (tanto a você, quanto às suas palavras), tudo passa a pertencer a ele e a mais ninguém, infelizmente. Se preferirem, podem tirar aquele nome que fica em cima de “O complexo melancólico ou As veias carcomidas de uma vida bandida” e podem deixar, sei lá, “Do mundo”, “Ao mundo”, “Pelo mundo”, “De vocês, não mais meu”, dentre outras coisas.


A grande parte do tempo em que esta obra foi gerada, o fez em segredo. Apenas agora, quando ela está conclusa – ou quase, já que escrevo este posfácio antes mesmo de terminar o livro –, que algumas pessoas passam a tomar conhecimento de sua existência. Isso não acontece por exercício de ego de minha parte, mas mais porque passei agora a ter uma noção e um reconhecimento pessoal de que, de fato, um livro isto se tornou e que, ainda que nenhuma editora queira publicá-lo, eu indiscutivelmente serei um escritor.


Sei que minha vida não deve ter sido melhor ou pior que a de ninguém, e que, com certeza, traumática ela foi, assim como é a de todas as pessoas. Mas entendo que, desde o começo da elaboração deste livro, a vida que eu tive, tenho e provavelmente terei foi, está sendo e será relevante. Tudo que quis poderia ter desembocado em um trabalho de escritório, depois de uma prova de concurso, mas Deus foi bom comigo e pôs-me aqui a fazer o que quero, do modo que bem entendo e fingindo não querer agradar ninguém.


Como já foi dito, nada aqui sou eu e tudo aqui sou eu. Tudo foi inventado, assim como meu dia real, que ao acordar é feito por mim mesmo, reflexivamente. Não caiam na esparrela de não crer em tudo e de acreditar em nada, de não crer em nada e de acreditar em tudo.


A vida é subjetiva. Até os axiomas são subjetivos, ao passo que nascem a partir de uma pergunta, incondicionalmente subjetiva. Portanto, subjetivo-me naturalmente, fazendo com que você deva duvidar de mim sempre, assim como eu duvido-me sempre. Entretanto, goste de mim, por piedade, assim como eu gosto de você, por piedade.


Segundo Sigmund Freud, em “Conferências Introdutórias sobre Psicanálise”, na parte em que se refere aos sonhos, “complexos” são “grupos de ideias e de interesses intensamente emocionais”. Já para o Dicionário Aurélio, “melancolia” é um “estado mórbido de tristeza, depressão e pesar”.


Não precipitem-se, peço. Sou feliz, ainda que não pareça. Mas aí já seria necessário outro livro.

Pronto, já sei tudo que eu sabia, mas não sabia que sabia. Então, sessão encerrada. Acabo de receber alta.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

O bunker do cool-2000

Há um apartamento, em São Paulo, que representa o que é os anos 2000 - principalmente seu final - em seu nível de cultura e comportamento.

Os nerds, geeks, gays e descolados - Dia do Orgulho Nerd, a relevância das bandas de 'happy rock', as melhores festas da noite RJ-SP, o que bomba na internet... - são os que ditam o que deve ser ditado, em se tratando de moda, atitude, opinião, televisão, programação, design...

Portanto, PC Siqueira e Beto Siqueira são a vanguarda e micro-representantes da macro-situação que se vislumbra na atualidade.

***

Suas adjacências: a namorada bonita, o amigo gordinho, a cachorrinha.