sábado, 12 de fevereiro de 2011

O drama


"O casamento é o caixão e os filhos são os pregos."

Orã Figueiredo, em "Deus da carnificina".

Teatro Maison de France.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Cisne Negro simbólico


"Cisne negro" é bom pelo simbolismo, cenas fortes e atuação de Natalie Portman. Entretanto, como narrativa, não passa de medo e delírio e só.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Manifesto pelo direito à vida do cidadão homossexual

Eles soltam pum, assim como qualquer outra pessoa. Eles querem comida quando têm fome, assim como qualquer outra pessoa. Eles gostam de dormir até mais tarde quando estão cansados, assim como qualquer outra pessoa. Eles desejam ser muito ricos, assim como qualquer outra pessoa. Eles esperam que Deus tenha piedade deles, assim como qualquer outra pessoa. Eles amam seus pais e suas mães e seus irmãos e seus avós e seus tios, assim como qualquer outra pessoa. Eles cuidam de seus animais de estimação, assim como qualquer outra pessoa. Eles sentem calor, assim como qualquer outra pessoa. Eles sentem dor quando quebram a perna, assim como qualquer outra pessoa. Eles não querem tirar nota baixa na escola, assim como qualquer outra pessoa. Eles sonham com um futuro bonito, assim como qualquer outra pessoa. Eles querem encontrar alguém que os ame para sempre e sempre mais, assim como qualquer outra pessoa.

Eles querem poder ter filhos, assim como qualquer outra pessoa. Eles querem poder casar, assim como qualquer outra pessoa. Eles querem poder doar sangue, assim como qualquer outra pessoa. Eles querem poder andar de mãos dadas nas ruas, assim como qualquer outra pessoa. Eles querem poder dar um beijo na boca, assim como qualquer outra pessoa. Eles querem não sentir vergonha e nem pena, assim como qualquer outra pessoa.

Nós somos pessoas, assim como qualquer outra pessoa.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

É para lá que eu vou - Clarice Lispector


Para além da orelha existe um som, à extremidade do olhar um aspecto, às pontas dos dedos um objeto - é para lá que eu vou.
À ponta do lápis o traço.
Onde expira um pensamento está uma idéia, ao derradeiro hálito de alegria uma outra alegria, à ponta da espada a magia - é para lá que eu vou.
Na ponta dos pés o salto.
Parece a história de alguém que foi e não voltou - é para lá que eu vou.
Ou não vou? Vou, sim. E volto para ver como estão as coisas. Se continuam mágicas. Realidade? eu vos espero. E para lá que eu vou.
Na ponta da palavra está a palavra. Quero usar a palavra "tertúlia" e não sei aonde e quando. À beira da tertúlia está a família. À beira da família estou eu. À beira de eu estou mim. É para mim que eu vou. E de mim saio para ver. Ver o quê? ver o que existe. Depois de morta é para a realidade que vou. Por enquanto é sonho. Sonho fatídico. Mas depois - depois tudo é real. E a alma livre procura um canto para se acomodar. Mim é um eu que anuncio.
Não sei sobre o que estou falando. Estou falando de nada. Eu sou nada. Depois de morta engrandecerei e me espalharei, e alguém dirá com amor meu nome.
É para o meu pobre nome que vou.
E de lá volto para chamar o nome do ser amado e dos filhos. Eles me responderão. Enfim terei uma resposta. Que resposta? a do amor. Amor: eu vos amo tanto. Eu amo o amor. O amor é vermelho. O ciúme é verde. Meus olhos são verdes. Mas são verdes tão escuros que na fotografia saem negros. Meu segredo é ter os olhos verdes e ninguém saber.
À extremidade de mim estou eu. Eu, implorante, eu a que necessita, a que pede, a que chora, a que se lamenta. Mas a que canta. A que diz palavras. Palavras ao vento? que importa, os ventos as trazem de novo e eu as possuo.
Eu à beira do vento. O morro dos ventos uivantes me chama. Vou, bruxa que sou. E me transmuto.
Oh, cachorro, cadê tua alma? está à beira de teu corpo? Eu estou à beira de meu corpo. E feneço lentamente.
Que estou eu a dizer? Estou dizendo amor. E à beira do amor estamos nós.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

A membrana

Tudo estava a arder. Saiu de sua cama em estado de desespero, procurando sua família, para que juntos pudessem gritar. Já era dificultoso respirar, e a angústia interna de possivelmente morrer sufocado foi triste: morrer de supetão é mais viável; aos poucos é sofrer.


Era possível enxergar a fumaça provinda do primeiro andar, e notou que a cozinha estaria naquele momento cozida: a banana, a maçã e o milho de vidro que ornavam a mesa central foram explodidos em mil pedaços por todo o chão; baratinhas moradoras de debaixo do fogão, adeus. Na sala de visitas, onde o fogo deve ter chegado rápido, o registro das existências das pessoas no mundo era apagado, fazendo com que elas deixassem de ser para a posteridade: foto. O jantar não será mais servido hoje, pois a casa acaba de perder sua mesa grande.


Mas onde estão todos, para ajudar? Onde estão todos, para fugir? O pinheiro de Natal caía em cima da rua, e os animais domésticos saíam para liberdade, e a gente invi-sível diante da cremação em grande escala. O nevoeiro que precedia o fogo escolhia seu caminho auspicioso, tomando tudo em negritude. Como ele fugiria? Impossível escapar, o primeiro andar tomado, as janelas gradeadas, a certeza do fim quente.


Abrindo a boca, a voz das chagas era mais alta que a dele, calando-o. Não tardou para que os quartos fossem alcançados, e o sono impossibilitado de repetir-se nas noites posteriores. Ele, correndo para o banheiro da suíte principal, escondeu-se na banheira, por ali poder ser o último a ser atingido, pela longitude deste cômodo em relação à tota-lidade da residência.


Ficou triste por saber que ao fim nada mais estaria palpável. Cadernos de escola, livros de estórias, roupas de andar fora, animais de pelúcia de brinquedo conseguidos na máquina de parques, o tapete de letrinha, o mapa do mundo, o Fofy da despensa, a groselha, a infância, a adolescência, a responsabilidade e a velhice, em suma destruídos.


A dificuldade de respirar era maior agora. Com suas narinas irritadas, tossia muito, e o suor escorria em cataratas pelo corpo parcialmente desfalecido. Jovem demais para ir embora, até o dia anterior pensava que viveria para muito tempo, mas hoje percebia que não viveria nem por mais muitas horas. Realmente, angustiante demais morrer devagar. Se fosse morrer como se deve mesmo morrer, nem sentiria a luz branca chegar, porque ao piscar dos olhos, estaria ali a beijar Deus. Na tabela das mortes, morrer sufocado pelo fogo era apenas melhor que morrer sufocado pela água, que deve ser muito, muito pior. “Ah, não... Vou morrer mesmo é queimado, não sufocado. Assim, só posso desmaiar.”


Será que morrer ardido era menos sofrível que morrer sufocado? Apenas sentin-do, para saber.
O medo tomava-o, totalizando-o. Enquanto a casa era comida, ele era comido. Seu ego implodia-se, pois ele era adepto dos medos. Os medos tomavam-no desde juvenil e perseguiam-no até o sempre, sem intervalos de descanso mental. No presente momento, a certeza da morte, virtualmente última vida, banhava-o na banheira.


A casa, em pouco tempo, seria assassinada, e ele também seria assassinado; a casa sem a ajuda de ninguém e ele sem a ajuda de ninguém. Nem sinal de bombeiros e nem sinal de parentes. Sem governo e sem família. Nada para uma mão estender.


Quando pensava que iria um dia morrer, gostaria muito de saber como sentiria-se neste tão sublime momento. A partir dos oito anos de idade, que foi quando tomou consciência de si mesmo e do mundo como algo diferente dele, imaginou que morrendo, subiria como que por um caminho feito de nuvens, vertical, em direção ao céu, e que lá em cima Deus o estaria aguardando, de braços abertos. Juntamente, tudo que embaixo tinha, encima haveria da mesma forma, só que composto de nuvem: uma mesa de nuvem, um prato de nuvem, uma cadeira de nuvem. Em relação às pessoas, não seriam de nuvem, mas estariam vestidas com uma camisola cinza fluorescente. Ao pensar, aos oito, nesta situação, era padrão que visse seus parentes já mortos sentadinhos em mesas de nuvem, no canto direito, sorrindo para ele, de camisolas. Mas como a partir dos dez começou a duvidar de Deus e de sua existência, tal paradigma mortífero passou a ter que, necessariamente, diferenciar-se. Portanto, como ver o dia depois de amanhã? Ou não, como sentir-se ao saber de fato que amanhã será o dia depois de amanhã?


Uma janela era o que sobrara como chance. Quebrou-a com a escova de pentear os cabelos, jogou-se através do espaço pequeno e foi ao chão, salvando-se da casa a ser assassinada. Hoje ainda não haveria de ser o seu dia, aleluia.


Ali, estatelado, viu-se peladinho. Peladinho em pelo e com todos os vizinhos a olharem-no. Aonde? Onde? Por quê? Porquê? Por que? Porque? Parado, aguardou. Todos admirando, e onde estão mamãe e papai? Queimados? Tomara. Quem dera? Não!


Estendeu-se e quis a ajuda de alguém. Mas como alguém o ajudará se mamãe e papai não há?
Estava um peso, e ele era o peso de sua vida; o martírio de um carma. Por muitas vezes queria fugir, mas não do mundo, e sim de si, pois a rejeição da sociedade para com ele era tão extremada, que Joaquim transmitiu-a para sua própria interioridade. Interioridade essa devassada, devorada, ampliada, diminuída, gestada e morrida, uma estranha em seu corpo. Sua interioridade era mais moribunda que sua exterioridade, ou vice-versa. Temia, mas admitia.
Nada mais pode ser feito quando se está deitado sem nada, em plena rua, sem ninguém a te ajudar, com todos a te olhar. Quando Joaquim percebeu que estava em pleno escárnio público, ficou com tanta vergonha, que a vontade que teve foi a de matar todo mundo, pum, pum, pum, um por um.


“Na minha vida, em algum momento de transição, eu perdi o fio da meada, definitivamente. Não é normal: passa, ultrapassa, segue em frente, vai!” – disse Joaquim pensando, ou pensou Joaquim que disse.


Se um dia, para ele, houve alguma definição satisfatória de sua existência, ela foi revelada de maneira dolorosa e fragmentada, para que Joaquim tentasse compreender-se como um, dividido em vários. Peladinho e ao som de barulhos, tentou ouvir o seu próprio barulho interno, encontrando com muita dificuldade somente a questão, distante, em seu sentido.


Tossindo dores, engoliu a realidade, mas sempre uma realidade verdadeira que percebida é inócua, sem passado e sem futuro, com um presente deveras porco.


Um dia, desistir de perguntar deve ser a melhor resposta para a eterna pergunta, Joaquim finalmente no sanatório percebeu. Deus, então, apareceu? Não, porque Deus não existe.
“Não! Deus existe sim! Deus existe e é muito bonzinho, é muito tudo de tudo que um nada pobre coitado pode querer. Deus responde o irrespondível. Deus acalma os pecados joaquinianos. Deus perdoa Joaquim por ter nascido e sido.”


Se Deus de fato não faz isso, pelo menos Joaquim acredita que Deus o faz, o que já é o bastante. Pelo menos uma coisa de bom o Cristão disse a Joaquim: “Deus ama o pecador, ainda que odeie o pecado.” Graças a Deus.


“Você repetir o nome d’Ele várias vezes, faz parecer mais concretamente que Ele existe.” Mas tudo não passa da ilusão que nasce conosco quando nascemos e que morre conosco quando morremos.


Local: Instituo Philippe Pinel
Endereço: Avenida Venceslau Brás, número 65 – Botafogo, Rio de Janeiro
Rio de Janeiro – Brasil


– Poxa, como tudo aqui é tão bonitinho.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

A rejeição

Meu pai quer me apagar
Quer transformar o que é privado em público
Me faz sofrer por algo que todos nascem com:
Desejo.
Mas um dia eu desapareço
E ele havará me apagado.