segunda-feira, 20 de abril de 2015

Rua de Montarroio (Manuel de Freitas)

Não sei de que fugíamos.
Dizer que era da vida pareceria
demasiado lírico, demasiado verdadeiro
- e a vida raramente aproveita a um poema.

Seja como for, a cidade
predispunha-se, aceitava calmamente
pequenos gestos de ternura,
delírios de morte apenas.
Zé dos Ossos, Trianon - os nomes
que decorei, enquanto fugíamos
da calúnia dos vinte anos.

As tardes no jardim, um pouco lúgubres,
prenunciavam a costumeira subida:
jantávamos os dois por setecentos escudos,
mesmo ao lado da taberna que não tinha mesas.

Saía barato, o amor. Por não sabermos,
ainda, que teríamos de o pagar a vida inteira
com juros aziagos e versos de demora.