segunda-feira, 27 de setembro de 2010

sábado, 4 de setembro de 2010

Os poemas inominados colados na porta do armário

Se um dia eu me escondesse
Seria onde eu seria mais triste
Mas ao mesmo tempo o mais feliz
Porque teria encontrado meu lugar calmo
Para poder ler e escrever e parar de ver.

***

Se eu acordasse cego um dia
Não saberia o caminho para os lugares
Os outros necessitariam ajudar-me
Para o Sol poder contemplar-me
Pois é no desassossego
Que o cego sente o tato.
Porque sentir é o necessário:
não ver.

***

Os outros querem aparecer
Eu quero transparecer
Os outros dão-me apenas alguns dedos
E eu quero a oficialidade da mão toda
Os outros vivem constantemente da surpresa
E eu vivo constantemente do espanto
Porque para mim as coisas são mais difíceis
Para mim as coisas são mais sofríveis
Porque eu preciso lutar para nascer,
Todos os dias, cotidianamente.
Para que os outros, um dia, com sacrifício
Aceitem-me
Porque eu quero a oficialidade da mão toda
Enquanto eles dão-me apenas alguns dedos.

Literatura do isolado

Eu queria viver de literatura
Mas o reconhecimento me trás empacamento
Então a solução seria viver de literatura
Apenas no isolamento.

Assim, ninguém acharia este poema ruim.
Apenas eu.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Brevidades literárias

A Maria já foi ao mercadinho, já colocou o café na mesa, já assistiu a Ana Maria, já levou o cachorro pra passear, já tomou seu café sem açúcar, já varreu o quintal, já almoçou seu arroz empapado com farofa e carne moída, já deu uma cochilada de quinze minutos, já lavou o banheiro, já voltou ao mercadinho, já lanchou, já deu tchau pra vizinha que chegava, já assistiu ao telejornal, já viu a novela, já deu boa noite pra vizinha. Mas Maria, ao dormir, não conseguiu, porque ela sentia e pensava e queria.

***

Cansei de falar de mim mesmo, porque eu sou um porre, e porres me deixam com dor de cabeça. Aliás, eu nem fico de porre, nem bebo, porque não gosto do gosto. Se eu sou um porre e se eu não fico de porre, eu não seria eu?

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Eu não escrevo português, eu me escrevo. Eu não escrevi isso, mas gostaria de tê-lo feito.

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Quando você termina uma coisa, até começar outra é difícil, difícil, difícil.

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O João perguntou pro Joaquim se ele um dia morreria. Ele disse que não, porque ele não morreria: “Ou viro estrela, ou viro purpurina, porque sou bicha.” Foi aí que João disse: “Que nojo, vou embora.” E foi.

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Fatalista, fatalista, fatalista. Sou fatalista, fat. Porque sou força de atrito, sou fatal. Fato.

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Estamos com calor, porque o sol está muito forte em cima de nossas cabeças. Anita chegou ao seu pai, já perguntando: “Papai, o que faremos, diante desta situação? Passeando aqui por São Cristóvão, sem uma sombrinha?” Papai respondeu: “Anita, você pode cobrir-se sozinha. Basta querer.” Mas ela disse que não queria se cobrir sozinha; queria que alguém a ajudasse a cobri-la em seu desassossego em Santo Cristo Ovo.

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Eu sinto-me ridículo divulgando-me. Parece que eu estou torturando as pessoas com a obrigação de elas prestarem atenção no que digo e escrevo. Escrevo? Sim. Sou escrito? Não. Mentirinha, apenas uma vez, mas deve ter sido por caridade, mas gostei tanto.

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Todos querem aparecer

Eu quero transparecer

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Aceitem-me ou Engulam-me

Dão-me apenas alguns dedos
Mas eu quero a oficialidade da mão toda.