terça-feira, 26 de maio de 2015

Teoria do choque


Por que escrever um poema com rimas, se a vida não rima?
Por que escrever um poema, se a vida não é poema?
A vida é a sucessão dos dias, sentidos ou não sentidos, com sentido ou sem sentido
A vida não vai deixar de ser o que ela é, já que não é morte.
O que me resta a fazer, para conseguir traduzir
O que tenho a dizer, se a linguagem não é capaz de abarcar a experiência
Seria eu merecedor de solucionar o problema, ou de apenas enquadrá-lo?
É simples dizer que, naquela mesa de cozinha, falta uma cadeira
Difícil é explicar o vazio causado pela falta da cadeira da mesa de cozinha
O testemunho do grande trauma existe, a grande História existe
Mas o que me resta diante daquele pequeno trauma diário
Aquele trauma diuturno
Construído hoje de manhã no café, ontem de tarde no almoço e amanhã de noite no jantar?
O que fazer com essa pequena estória, esse pequeno relato de desgraça, essa ferida
Que não cura, mas que não dói
Ela não dói porque eu não a sinto
Eu morro quando sou esfaqueado e morrer esfaqueado não dói:
Eu morro porque o sangue se me esvai e eu perco os sentidos
Mas doer mesmo, não dói
Viver não dói, pensar em viver dói
Não quero contar, quero relatar
Não posso narrar, posso dizer
Vamos todos, juntos, para o reino da mímesis?
Esse poema não consegue falar tudo o que eu tenho que chorar

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