quinta-feira, 11 de setembro de 2014

De quem morreu e ainda vive

Eu andei pela Rua Voluntários da Pátria e encontrei um mendigo deitado no chão, coberto por uma manta, lendo um livro, com o apoio de uma lanterna.

A seu lado, estavam outros livros ainda fechados, empilhados, esperando a leitura.

Era apenas ele ali, naquela via escura e desabitada, em plena noite de um dia de semana qualquer de final de inverno.

Aquele homem sem absolutamente nada, sem dinheiro, sem casa, sem roupa, sem visibilidade, sem chão, sem Deus, mas com absolutamente tudo, com a vida, com a língua, com a imaginação, com a possibilidade, com o cosmos, com a transformação, com a mudança, com a epifania, com outro mundo, com ele e mais ninguém, porque para nós ele não existe.

Ele, que não tinha comida, mas que comia.

Enquanto eu, que tudo tenho, sinto nada ter.

Eu penso não ter dignidade, penso não ter futuro, penso não ter condições financeiras, penso não ter destino, penso não ter passado, penso não ter ninguém, penso em morrer.

Enquanto aquele homem, já morto, vive.

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