domingo, 27 de novembro de 2011

A retomada do cinema brasileiro? A expansão do padrão Globo à tela grande


Compreender os artigos analisados nesta resenha crítica significa compreender que a conhecida retomada do cinema brasileiro a partir do ano de 1995 é, na verdade, a tomada do audiovisual pela produtora Globo Filmes, criada em 1997 pelas Organizações Globo “com a finalidade de aglutinar os filmes decorrentes de sua programação aberta, especialmente os destinados ao público infantil.” (SANTOS e CAPARELLI, 2006: 129). “Televisão aberta alavancando o cinema” demonstra que os poucos filmes brasileiros que chegam às telas de cinema com relativo sucesso foram produzidos ou co-produzidos pela Globo Filmes e que, historicamente, desde os anos 1970, as maiores bilheterias do cinema são compostas por filmes de Os Trapalhões, Xuxa e estrelados por Sônia Braga, atriz global de grande sucesso na emissora, como “Dona Flor e seus dois maridos” (1976) e “A dama do lotação” (1978). Entre 1995 e 2004, 92% dos filmes brasileiros de ficção com renda superior a R$ 20 milhões foram produzidos ou co-produzidos pela Globo Filmes (Ilustração 7: 128). Na lista das dez maiores bilheterias de filmes nacionais, seis são filmes de Os Trapalhões e os dois primeiros são protagonizados por Sônia (Ilustração 3: 125). No entanto, a diferença de inserção entre os filmes nacionais e estrangeiros é muito gritante, como em 2005, quando dos 179 filmes lançados, apenas 18 eram nacionais (Ilustração 10: 131). Esta hegemonia da Globo chegou ao ponto de no meio audiovisual considerar-se todo o filme não produzido ou co-produzido por ela como independente.
Demonstrando um contraste em relação ao que se produzia entre os anos 1950 e 60 e ao que se tem atualmente, Ismail Xavier afirma,
Conhecemos os rumos da cultura e da política nos últimos anos que resultaram, para o cineasta brasileiro, neste sentimento de perda do mandato, de fim daquela utopia do cinema moderno. Como decorrência, há um deslocamento da própria auto-imagem dos autores que vivem ainda a política da identidade nacional, da necessidade de um cinema brasileiro, mas não traduzem em seus filmes a mesma convicção de serem os porta-vozes da coletividade. Há exceções, mas este terreno hoje está mais do que tudo incorporado à retórica da Rede Globo de Televisão, com sua versão industrializada e mercadológica do nacional-popular (XAVIER, 2001: 47)
Para complementar este discurso, o artigo de Santos e Caparelli conclui que o resgate do cinema nos últimos anos, a publicidade e a produção televisiva em geral (incluindo aberta e fechada) mostram-se “estreitamente condicionados à identidade de uma única empresa.” (p.137)
A relevância da Globo Filmes no cenário nacional pode ser entendida como mais um sinal comprobatório do papel fundamental que a televisão aberta exerce em relação aos outros serviços audiovisuais. (...) Esta combinação começou a ser formada ainda nos governos militares, mas tem atingido sua maturidade nas últimas duas décadas. (SUZY e CAPARELLI, 2006: 137)
Já Sérgio Sá Leitão, em “A economia do audiovisual do Brasil”, ressalta que hoje em dia há uma grande produção nacional. Segundo ele, foram três em 1992, 51 em 2005 e 70 em 2006 (LEITÃO, 2007: 1) Mas ressalta que isso gera uma crise de superprodução, já que o mercado não absorve completamente o que está sendo feito (p.2). Afirma que faltou ao país, neste período, uma “atenção à ideia de construção de um mercado e à ideia de uma construção de uma indústria” (p.2). Além disso, expõe o curioso fato de no país haver grande penetração das videolocadoras, com pelo menos uma em 77.5% cidades brasileiras, ao passo que as salas de cinema estão concentradas em apenas 8% dos municípios (p.1). “Um rápido olhar sobre a economia do audiovisual no Brasil permite a seguinte constatação: é um mercado concentrado e distorcido” (LEITÃO, 2007: 2). Por mais que não revele explicitamente os nomes das empresas, Leitão afirma que apenas uma rede de televisão por assinatura controla 80% do mercado (NET, das Organizações Globo) e apenas uma emissora de televisão aberta detém 70% do bolo publicitário e 51% da audiência (Rede Globo, das Organizações Globo) (p.2).
É diante desta realidade teórica que se baseia a tese de que a produção brasileira no cinema ainda é muito complexa, ao enfrentar as barreiras dos filmes e da distribuição estrangeira, assim como do monopólio de bilheteria e alcance dos longas metragem produzidos pela Globo Filmes. Por mais que os dados dos artigos não sejam atuais, já que trabalhados sobre os anos de 2006 e 2007, é bem provável que eles não tenham se alterado e o cenário permaneça o mesmo. Enquanto o artigo de Santos e Caparelli teve a intenção de demonstrar que a situação do audiovisual brasileiro sob a ótica da predominância da Rede Globo é “proporcionalmente prejudicial ao sistema democrático” (p.134), Leitão deu um panorama breve da economia do audiovisual, ressaltando seu crescimento, porém sua concentração em certos aspectos. Ambos dão atenção às políticas de comunicação e cultura voltadas especificamente ao audiovisual, no que Santos e Caparelli entendem que este tema sempre foi tratado com muita indiferença no país. “A ausência de visibilidade crítica sobre as questões relativas ao próprio negócio das comunicações configura uma barreira à prática de cidadania no país" (SANTOS e CAPARELLI, p.135). Leitão dá atenção ao fato de, para ele, o cinema brasileiro viver uma “encruzilhada”.
“Ao mesmo tempo em que nós tivemos recentemente, em 2006, a introdução de novos mecanismos de financiamento através de uma Lei que foi aprovada pelo Congresso Nacional sancionada pela Presidência da República (...) nós também estamos assistindo a esse fenômeno da crise de superprodução (p.2) e da dificuldade de colocação dos conteúdos brasileiros.” (LEITÃO, p.3)
Portanto, o texto apresentado em Seminário Internacional de Economia da Cultura por Leitão revela uma visão mais breve e panorâmica, porém não menos correta, que a apresentada por Santos e Caparelli em artigo publicado na Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación. Eles se ativeram a argumentar sobre a predominância da televisão no cinema nacional e como isso não significou uma diversidade e profusão de discursos de produtoras e diretores diferenciados. Com isso, questionam, no entendimento do autor desta resenha, a retomada do audiovisual brasileiro em seu sentido ideológico. Leitão amplia o debate, considerando a questão da televisão digital, das videolocadoras e da pirataria, ressaltando as políticas de incentivo ao audiovisual recentes como um “velho fundo perdido” (p.3), afirmando serem necessários novos instrumentos de financiamento que levem em consideração o risco da atividade.
Em suma, diante da leitura dos argumentos dos trabalhos, sob uma ótica de hegemonia da Rede Globo, vê-se como necessária uma política de comunicação voltada ao audiovisual que se empenha mais fortemente em ampliar seu espaço nas salas de distribuição, fazendo com que se crie a cultura do cinema nacional. Como demonstrado nos artigos, os shoppings concentraram e diminuíram as salas de cinema, além de a maioria dos distribuidores serem estrangeiros e o produto estadunidense muito mais difundido (SANTOS; CAPARELLI, p.132 e LEITÃO, p.2). Ressaltado por Santos e Caparelli, muito da culpa por este cenário foi a da dificuldade de um debate sobre as políticas de comunicação, muito auxiliado pela mídia. Quando se passar a compreender o audiovisual nacional como mais que um mero coadjuvante, o retirando de seus vícios de conteúdo muito oriundos da ideologia Globo, algo pode vir a ser transformado. Algo que está fugindo um pouco deste padrão é o documentário nacional, um produto que, de certa forma, consegue ser mais independente de toda esta esfera e alcança grande prestígio dentro das universidades e da mídia especializada (AROSA, p.3). Porém, é visto apenas em festivais e não consegue lucro diante do mercado (SANTOS e CAPARELLI, p.126). Isso faz com que também haja dificuldades de entrada no estrangeiro.
Bibliografia
1. LEITÃO, Sérgio Sá. A economia do audiovisual no Brasil: Diagnóstico, Avaliação e Perspectivas. In Seminário Internacional de Economia da Cultura: 19 de Jul de 2007;
2. SANTOS, Suzy dos; CAPARELLI, Sérgio. Televisão aberta alavancando o cinema: parceria entre conteúdo nacional e distribuição estrangeira. In Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación Dossiê Especial Cultura e Pensamento, Vol. 1 – Espaço e Identidades: Nov 2006;
  1. XAVIER, Ismail. O cinema brasileiro moderno (página 7 a 50). Editora Paz e Terra: 2001
  2. GOMES, Paulo Emílio Sales. Cinema: trajetória no subdesenvolvimento (página 76 a 83). Editora Paz e Terra: 2001
5. AROSA, Guido. A televisão brasileira no desenvolvimento. Nov 2011. http://guidoarosa.blogspot.com/2011/11/cinema-brasileiro-telenovela-em-tela.html

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