domingo, 30 de outubro de 2011

Mini-curso sobre Clarice Lispector


Perfil de Chaya Pinkhasovna

Clarice Lispector não se chamava Clarice Lispector. Vinda ao Brasil com apenas dois meses, sua origem judaico-ucraniana se fez presente em toda sua obra literária, em traços de estrangeirismo e deslocamento. Formada em Direito pela Universidade do Brasil, na década de 1940, começou a publicar seus escritos a partir de 43. Vinda do Recife judeu, aportou com a família no Rio de Janeiro e trabalhou pouco tempo como advogada em um estágio. No princípio da carreira, antes de se dedicar exclusivamente à literatura, foi jornalista. Casou-se com um homem que a fez viajar o mundo. Como embaixador, ficou com a família na Europa da Segunda Guerra Mundial. Com ele, Clarice teve dois filhos: Pedro e Paulo. O mais velho, Pedro, demonstrou durante a infância uma grande capacidade de aprendizado, mas na adolescência, com sintomas como desatenção e depressão, foi diagnosticado com esquizofrenia. Genético? Clarice e sua obra artística, essências inseparáveis, são extremamente melancólica, solitária e introspectiva. Nela, se vê, segundo seu mais famoso biógrafo, Benjamin Moser, o eterno peso pela morte de sua mãe e a consequente descrença em Deus, por não tê-la salvo do fim. Apesar de conflitante entre os biógrafos, divulga-se que a mãe morreu em decorrência da sífilis, adquirida durante os “pogrons” (invasões soviéticas) na Ucrânia natal. Os oficiais do exército da União Soviética supostamente violentaram Mania sexualmente e a doença alguns anos depois a matou, já no Brasil. Clarice sente-se culpada, pois nasceu saudável e a mãe não teve a mesma sorte. A escritora, enfim, separa-se do marido e vai viver a uma quadra da praia do Leme, com os filhos. Autora já consagrada, com mais de seis livros publicados, como “Paixão segundo G.H.” e “Perto do coração selvagem”, Clarice passa a ser colunista do tradicional “Jornal do Brasil”. Seus fãs, que a consideravam mística, a solicitavam, enquanto ela propagava seu mistério de viver, em uma prosa poética. Fumante inveterada, um dia, depois de escrever durante a madrugada, adormece com o cigarro aceso. Seu apartamento pega fogo e seu rosto fica desfigurado. Começa a definhar mais a partir daí. Além do marido, apaixonou-se pelo escritor Lúcio Cardoso, autor de “Crônica da casa assassinada”. Ele, homossexual. Ela, o amou sempre e não há registros de outros romances, apesar de sua beleza exótica. “A hora da estrela” foi seu último romance. Lançado em 1976, é hoje o mais conhecido dentre todas as suas crônicas, prosas e contos. Morreu de câncer aos 57 anos, em 1977. Fez de sua obra sua vida e vice-versa, já que “escrevo por não ter nada a fazer no mundo. Sobrei e não há lugar para mim na terra dos homens. Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado. Não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias. Mas preparado estou para sair discretamente pela saída da porta dos fundos. Já experimentei quase tudo, inclusive a paixão e o seu desespero. Agora, só quereria ter o que eu tivesse sido e não fui.” (“A hora da estrela”, página 21) Morreu em 09 de dezembro, um dia antes de fazer aniversário. Não pôde ser enterrada no dia seguinte, pois caiu em um “shabat”. No dia onze, foi enterrada no Cemitério Israelita do Caju, com as inscrições em hebraico: “Chaya bat Pinkhas Chaya filha de Pinkhas”.

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