domingo, 15 de maio de 2011

Aparecida desaparecida

Ela bate palmas não para cantar parabéns, não para aplaudir uma peça teatral, mas sim para pedir coisas na casa das pessoas. “Oh, meu anjo! Tem alguma coisinha pra tia?” É raro alguém ter, mas ela volta e meia estará à sua porta, querendo “qualquer coisinha.” Há anos ela é presença certa pelas ruas do Grajaú, junto de seu cachorro meio carcomido. Mas há dois meses, ela contava chorando para os que desciam do 422 (Grajaú – Cosme Velho) na esquina das Ruas Canavieiras e Caruaru, que ele havia simplesmente sumido: “Ele não é de fugir, tadinho. Não sei quem é que pode fazer essa maldade com a gente.”



Depois disso, Maria Aparecida (como ninguém a chama, ainda que conste como seu nome oficial) ficou sem ser vista pelo bairro durante um bom tempo: “Tava no meu canto.” No entanto, ela ressurgiu na noite de quinta-feira 12 de maio, ainda sem seu cão, batendo palmas para o número 228 da Av. Engenheiro Richard. Sorrindo com uns quatro dentes na boca, ela (negra, magra, com cerca de 50 anos, cobrindo os cabelos com um pano branco) pede qualquer coisinha. Pelo muro, o dono da casa a oferece um copo d’água: “Posso te perguntar uma coisa?”



Ela não tem lugar certo para ficar: “Eu ando por aí, durmo mais na (favela da) Divineia.” Mas ela não tem um barraco e sim dorme em qualquer canto. Quando chove, ela vai para o Hospital do Andaraí e dorme debaixo da árvore que fica no meio de seu estacionamento. Quanto a seu cachorro, deve mesmo ter sido levado por alguém: “Ele sempre andou comigo. Acho que não pegaram ele, devem ter matado.”



Agora, já sem família, se vê privada da única companhia certa que tinha: “Meus pais devem ter achado que eu sumi também. Agora não adianta mais voltar porque eles já devem ter morrido.” Saiu de Duque de Caxias “tem tanto tempo que não lembro” e se viu sem perspectiva de vida, ficando apenas na Praça Saens Peña se drogando junto a outros mendigos. Nesse ínterim ficou sem documentação, sem mais roupas além das do corpo e sem dignidade.



Sem sutiã e com os peitos caídos quase na altura do umbigo, a mendiga Aparecida é inexistente para as pessoas: segundo ela, perambulando pelo Grajaú, nunca a chamaram pelo nome, por qualquer nome. “Falam comigo me chamando de ‘ela’, ‘senhora’, ‘tia’, ‘psiu.’ Se eu não tô doida, você aqui é o primeiro que me pergunta o nome.”



Questionada se não tem vontade de voltar para casa e ter um emprego, afirma que não deve mais ter ninguém em sua cidade porque seus pais com certeza já estão mortos e eles na época em que vivia por lá eram seus únicos parentes. Sobre o emprego, diz que tem problema no pulmão e que não tem como trabalhar.



– Mas qual sua doença? – pergunta o repórter.



– Ah, dói, dói bastante. Não posso porque dói muito. Mas a Igreja daqui da esquina me ajuda bastante.



Puxando um carrinho de feira cheio de sacos plásticos, ela diz que tem de ir. “Muito obrigado, Deus te abençoe. Você é um anjo, filho.” Sai pela rua como sempre o fez, pronta para bater palmas em mais uma casa, ainda que desta vez sem seu cachorro.



Perfil da mendiga Maria Aparecida.

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