quarta-feira, 23 de junho de 2010

Jornal, espaço, tempo, discurso, poder e saber - Tarde, Foucault, Anderson e Ieda Tucherman

Considerando as novas relações espaço-temporais que caracterizaram a modernidade, analise o surgimento, o papel e a presença dos jornais nos dispositivos nascidos nesta configuração.

1) Benedict Anderson faz-nos compreender, em “Comunidades imaginadas”, que as nações não são um aglomerado de pessoas com mesmo passado, ancestral, língua e ideal. Na realidade, a ideia de país, como conhece-se hoje, foi construída ao longo do tempo e mediada, tendo na consolidação do periódico um de seus principais aliados, atendendo às necessidades capitalistas. Ou seja, o jornal e o livro, mais o primeiro que o último (a atualidade e o poder de alcance numérico do jornal são diferenciais), auxiliaram na consolidação de uma língua primeira, subjugando as demais e as pondo em patamar de inferioridade; de uma noção geral nacional e patriota, de identidade e história; assim como a ideia de que todas as pessoas estavam vivendo e fazendo parte do mesmo tempo e realidade, pondo-as em um presente comum. “(...) são os jornais que inflamam a vida nacional, que excitam os movimentos de conjunto dos espíritos e das vontades em suas flutuações grandiosas cotidianas” (TARDE; Martins Fontes, 1992, p.92). Tal movimento de conjunto dos espíritos vislumbra situação que a leitura perso-nalizada do jornal proporciona: com o surgimento das grandes cidades modernas e o ad-vento do primeiro grande veículo de comunicação de massa, conseguiu-se algo que o-posto à multidão. A possibilidade de reunião à distância, causada pela veiculação de no-tícias pelo jornal, sem a necessidade do conhecimento das mesmas através de outras vi-as – praça pública, dentre outras –, foi um fenômeno que fomenta o desenvolvimento da vida privada na sociedade, alterador da relação de espaço vivenciada. Principalmente, a intenção do jornal (datado) de tornar a ideia de presente em algo comum a todos, sendo ele uma junção do passado (tradição) e do futuro (utopia), implica na depreensão da rea-lidade por parte das pessoas. Tendo no passado uma causa e no presente um efeito, a ve-locidade, na passagem do século XIX para o XX, ganha seu poder-espaço (relação es-paço-temporal), no tocante do desenvolvimento industrial. A transmissão veloz implica, como percebe-se com a criação dos correios para os Estados-Nação – “Uma história social da mídia” – enfim, na maior e melhor conexão entre as regiões da “comunidade imaginada”. Portanto, para finalizar, as noções e relações espaço-temporais abarcadas com o advento do jornal são, principalmente, a de uma história comum e a noção de presente, todos vivendo no mesmo tempo, e fato de atualidade como sendo de interesse geral (condicionamento de interesse massivo), implicando isso na percepção diferencia-da da realidade pelas pessoas (a realidade do jornal não é a realidade daquela pessoa – micro – mas é a realidade daquela sociedade – macro).


Foucault afirma que o discurso é, ao mesmo tempo, objeto de desejo e de poder. Associa também saber e poder, falando nos jogos de poder-saber próprios a cada dispositivo. Nesta perspectiva, qual seria a especificidade do discurso jornalístico? Como ele se apropria e de que maneira contrasta com o discurso científico?

2) “O processo se desenrolava sem ele (acusado), (...) sem que ele pudesse conhecer a acusação, as imputações, os depoimentos, as provas. Na ordem da justiça criminal, o sa-ber era privilégio absoluto da acusação.”(FOUCAULT; Vozes, 1983, p.35) Portanto, pode-se ter a noção da relação entre poder-saber-discurso: o saber sendo restrito apenas a quem tem o poder – sendo ele também produtor de saber –, faz com que apenas o dis-curso do mesmo seja destacado, valorado, ignorando-se o restante, sem voz e reprimido – O processo, de Franz Kafka, como exemplo. Consequentemente, quem tem o poder em mãos, o acesso ao saber e o discurso ouvido e aceito, se dá, e é dado a ele legalmente, o direito de punir, corrigir, condenar e vigiar. De início, então, a primeira impressão que se tem é a de que tais direitos são legítimos de governos, tribunais e, como mostra Foucault, escolas e hospitais/hospícios. Entretanto, encontra-se no jornal, em seu discurso, a presença nítida da implicação direta dessa tríade. Mas qual é o discurso jornalístico e como ele é entendido? Primeiramente, deve-se problematizar a questão de chamar-se o jornalismo de “quarto poder”, como se fosse uma instituição pública, que serve a todo o cidadão e que regula e condiciona o caminho da nação. Essa expressão transparece que, como a justiça, o jornal é igualmente capaz de, em suas linhas e entrelinhas – em o que ele diz, em o que quis dizer e em todas as subjetividades implícitas do seu discurso –, punir, absolver e, igualmente, condicionar a justiça, ao passo que é o periódico quem denuncia o que a justiça faz e é o periódico quem produz e reproduz a opinião, sendo esta gerada a partir dos enunciados do diário (é duvidoso dizer que o jornal é formatado pela opinião geral, mas é mais viável considerar que é ele quem formata o interesse geral – jornal como modelo de se ler discursos). O jornal, então, detentor do poder e do discurso, nessa soma de fatores, encontra a viabilidade da censura. Não da censura que chamarei de “externa” (ditaduras militares), mas sim de censura “pertinente”: um jornal “x” pode não dar a notícia de que ele está com suas vendas em queda; um jornal, cujo dono é um político (José Sarney – Maranhão), pode não dar a notícia de uma manifestação de cidadãos contra certa ação, ou não ação, de tal político ou de seu partido. Esse solapamento voluntário (prejudicial à população, mas não ao jornal e sua coordenação), acarreta na não existência do fato, mas não porque ele de fato não aconteceu, mas porque não recebeu repercussão; as pessoas não souberam de sua existência, o transformando, pelo menos momentaneamente, em vazio (a sociedade ocidental necessita passar suas ações ao discurso e o tornar visível; caso contrário, é como se não houvesse ocorrido – algo só passa a existir apenas depois de a mídia dizer que ele existiu). Remetendo à ideia do “condicionamento da justiça” pelos veículos de comunicação, hoje eles servem como mais um aparato para a justiça condenar, reforçando seu poder e a visibilidade de seu discurso. Ou seja, Foucault afirma que, após a decadência da “ostentação dos suplícios”, os juízes passaram a se apoiar igualmente em evidências, discursos e verdades de profissionais da medicina e da psiquiatria, por exemplo, no processo de sentença. Com isso, tira-se a “culpa” de apenas uma pessoa, o juiz, de “condenar”. Aliás, essa fase de fim dos suplícios gera uma mudança de visão, onde o direito passa a não mais “castigar”, mas sim “corrigir”. Os jornais, então, encontram-se na mesma situação dos citados acima. Já no que diz respeito ao discurso científico, o jornalístico se apropria dele para dar credibilidade ao seu discurso, ao passo que a ciência é vista como algo objetivo, inquestionável e axiomático, dando, então, uma objetividade a algo que é genuinamente subjetivo, o discurso, sendo este o contraste entre ambos. Entretanto, para toda conclusão, todo axioma da ciência, há de se partir de uma pergunta, que é subjetiva.


Bibliografia
1) TARDE, Gabriel. A opinião e as massas. São Paulo: Martins Fontes, 1992;
2) ANDERSON, Benedict. Comunidades imaginadas – Reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2008;
3) FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Edições Loyola, 1996;
4) _________________. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1985;
5) _________________. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1983.

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