quarta-feira, 13 de maio de 2009

O desconhecido e o processo


Franz Kafka começou a escrever "O processo" na segunda semana de agosto de 1914 e o terminou no começo de 1915. Como foi publicado apenas postumamente, - Kafka morreu de tuberculose, em 1924, no sanatório de Kierling - por seu amigo Max Brod, houve uma pequena deficiência no que diz respeito à organização do romance, posto que Kafka encontrou grande dificuldade em terminá-lo e deixou vários capítulos interminados, passagens riscadas, coisas meio fora do lugar. Apesar de tudo, o romance que o jornal "O Globo" e "Folha de S.Paulo" lançaram juntamente em 2003, foi organizado na mesma ordem a que Brod primeiramente o fez. Mas isso não significa que o romance não tenha alguns relapsos de continuidade.


Eu creio que se o livro houvesse sido publicado enquanto o autor vivo estivesse, muitos dos capítulos não haveriam de ser publicados, haja visto que incompletos e trechos riscados por ele igualmente espaço não possuiriam. Em contrapartida, acho de grande valia termos hoje a oportunidade de ver, completamente, o trabalho de produção de escritor tão impressionante, que se fecha no quarteto dos autores europeus modernistas principais do século XX:


1) James Joyce *1882 + 1941 -> "Dublinenses", "O retrato do artista quando jovem", "Ulisses", "Finnegans Wake", principalmente;

2) Robert Musil *1880 + 1942 -> "O homem sem qualidades" e "O jovem Törless";

3) Franz Kafka *1883 + 1924 -> "A metamorfose", "O processo", principalmente;

4) Thomas Mann *1875 + 1955 -> "A montanha mágica", "Morte em Veneza", "Os Buddenbrooks", principalmente.


"O processo" em si é de uma análise extremamente profunda. Com seus capítulos quase que independentes, retirando-se obviamente o primeiro, que é a abordagem de tudo, e o último, que é o fim de tudo, todo o resto aparenta ter vida independente.


Algo que já havia sido depreendido em "A metamorfose" e que se comprovou em "O processo", foi a escolha de Kafka por já colocar ao leitor o conflito de sua obra. No caso do primeiro livro, a transformação de Gregor Samsa em inseto e no último a constatação da detenção para Josef K.


"Numa manhã, ao despertar de sonhos inquietantes, Gregor Samsa deu por si na cama transformado num gigantesco inseto."


"Alguém certamente havia caluniado Josef K. pois uma manhã ele foi detido sem ter feito mal algum."


Outra questão que incomoda, ou pelo menos me incomodou, foi o fato de o personagem mencionar e questionar o fato de desconhecer a razão para estar sendo julgado apenas no início, capítulos iniciais, quando não apenas no primeiro. Angustia passar todo o livro vendo meio que uma aceitação do processo e da iminente condenação. Mas o livro é escrito em primeira pessoa, o que nos faz poder entender que o personagem apenas estava tentando refutar a ideia do julgamento, sendo que depois sabendo de ter feito algo errado, aceita o fato e tenta contorná-lo, ou não.


O livro não é exatamente escrito em primeira pessoa; é em terceira, mas mostra o ponto de vista único e exclusivo de Josef K., bancário e de 30 até 31 anos de idade.


Possui-se a noção de que o livro é realista, quase que realista-naturalista. Em contrapartida, o autor nos mostra passagens extremamente não verossimilhantes. Como, por exemplo, as salas de inquéritos sendo postas em salas de quartos de apartamento de cortiços, um advogado que atende seus clientes na cama e essas coisas. Cria-se, com isso, uma cilada para o leitor. Ele tende a ver no livro uma realidade, que nesses casos específicos não se faz presente. Ou seria uma metáfora, apenas para se chegar à ideia que o autor pretendia passar, ou é uma questão realmente de real-ficção, que o fato de um processo sem nunca ser dito o motivo pode nos causar.


Modesto Carone, brasileiro, de 72 anos, jornalista, professor, escritor e tradutor, fez um excelente trabalho na tradução, do alemão, de "O processo", para a Companhia das Letras. Seu posfácio, apesar de curto, deflagra questões bem pertinentes, como a proximidade entre Josef K. e Raskólhnikov, personagem de "Crime e castigo", do escritor russo Fiódor Dostoiévski, grande inspirador de toda a obra de Franz Kafka.


Em uma análise que não interpreta o texto do tcheco Kafka, mas que o usa, da maneira mais coloquial que a palavra pode receber, vê-se a premonição do Holocausto. Dizem que o livro é como uma visão do que anos depois assolaria a humanidade, em tempos de Segunda Guerra Mundial, onde judeus eram perseguidos, pessoas eram mortas sem justificativa prévia etc.


Kafka era judeu, e além da cultura judaica, conviveu com a tcheca, natal, e a alemã, que dominava a República Tcheca, antiga Praga. Se ele houvesse chegado a viver na década de 1930, 40... seria oprimido por ser judeu e pelos alemães. Já bastaria de problemas.


Leiam e tirem suas conclusões de uma das maiores obras da literatura mundial.

3 comentários:

Luciana disse...

muito interessante a resenha, retomei a letura desse livro ha poucos dias e tenho tido uma sensação de surreal ao dar de cara com um cortiço que tbm funciona um forum.

Mas a escrita é realmente fantastica, embora, até o momento, tenha apreciado mais a metamorfose - ao meu ver mais profunda e aterradora - mas ao terminar esse livro retorno aqui para dialogar mais.

gostei do blog, semelhante ao meu, mas bem melhor rs. voltarei mais vezes, podemos trocar links?

luciana disse...

voto comprado nao vale(hehehe).

e agora que vi teu perfil, vc está na minha frente com um diploma, mas aguarde...rs.

só estou na frente do companheiro da comunicação pelo fato de que eu, ma minha espetacular burrice adolescente, resolvi marcar no papelzinho de matricula na universidade o nome "publicidade" que vinha abaixo do comunicação social, (capitalismo é comigo mesmo hahaha).

Mas deixa você, ano que vem com minha super pós em portugues no fim, chego para brigarmos de igual para igual rs.

posso te linkar?

abs

Leonardo disse...

Muito bom o post!
Parabéns pelo blog!
continue assim!

http://leonardobslima.blogspot.com/