segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Bob Esponja segundo a Teoria Crítica e os Estudos Culturais


Para início de avaliação, um resumo será feito do produto de massa escolhido, para um melhor entendimento das análises subsequentes. Deste modo, “Bob Esponja Calça Quadrada” é um desenho animado que gira em torno da vida de Bob Esponja, uma esponja-do-mar amarela, que mora na Fenda do Bikini, situada em uma região do oceano Pacífico, e que tem um caracol de nome Gary como animal de estimação. Trabalhando como cozinheiro no restaurante “Siri Cascudo”, cujo dono é o siri conhecido por Seu Sirigueijo, tem como companheiro de trabalho o polvo Lula Molusco, também seu vizinho. Sendo seu “melhor amigo” uma estrela-do-mar rosa, Patrick Estrela, Bob possui como amiga uma esquilo fêmea, vinda do Texas (EUA). Outras personagens são o plâncton chamado Plankton e a professora de direção, Senhorita Puff, além de outros secundários. Bob Esponja é, portanto, visto como ingênuo e amável.



Sendo assim, utilizando-se dos ensinamentos de Teoria da Comunicação, no que diz respeito à Teoria Crítica e às Teorias de Influência Culturológica, uma análise será feita do desenho animado, criado em 1999 pelo norte-americano Stephen Hillenburg, expondo os pontos de vista de cada vertente de ensino, suas contradições e suas conclu-sões chegadas.



Utilizando-se primeiramente a Teoria Crítica, entende-se que ela enxerga o pro-duto em questão como algo serializado e pré-estabelecido diante dos padrões norte-americanos de se fazer cultura. Para ela, Bob Esponja está inserido dentro do processo capitalista cultural e massificador, que renega a população ao direito de ter acesso a um produto de qualidade e diferenciado. Entendendo a situação como meio para se alcançar o retorno financeiro e satisfatório, a Teoria Crítica emprega a esse trabalho um caráter pejorativo, dentro do conceito de indústria cultural de massa, onde a cultura é vista não como um modificador, mas como um repetidor de regras, ideias e conceitos.



Dados concretos auxiliam para o melhor embasamento do que a Teoria Crítica apregoa, haja visto que “Bob Esponja Calça Quadrada” é o desenho animado de maior audiência do canal norte-americano Nickelodeon, sendo transmitido, no Brasil, pela Re-de Globo, líder de audiência nacional. Paralelamente, o desenho já foi transformado em filme, em 2004, alcançando uma das maiores bilheterias anuais, além de possuir site próprio na internet, ter virado boneco e jogo de videogame. O fato de o desenho já pos-suir dez anos de vida, 126 episódios, tendo cada um duração de onze a treze minutos e por dia serem veiculados dois, totalizando-se trinta minutos, com propaganda, auxilia na consolidação do pensamento de serialização, padronização e repetição, que caminha com a medianização do gosto pela cultura, seu entendimento como um produto sistêmi-co e encapsulado. Outro fator que pode juntar-se aos demais é o fato de que, apesar de “Bob Esponja” ter sido pensado artisticamente por uma pessoa, Hillenburg, várias outras mãos o fazem, carregando-se assim uma produção contínua e acelerada, visando atender ao mercado consumir.



Como percebeu-se, o desenho alcançou um status de mercadoria, semelhante a um tênis ou a um eletrodoméstico, ao invés de disseminar conceitos e passar uma visão diferente de mundo, mais esclarecedora para quem a vê, não se direcionando a incitar o telespectador a consumi-la para outros fins. Ainda assim, “Bob Esponja” se insere den-tro de uma macroestrutura capitalista e consumista, tendo sido engolido por ela e incita-do a fazer parte da mesma, não tendo, por si só, gerado todo esse desencadeamento mer-cantil e deteriorador do que os intelectuais chamam de arte. Entretanto, não há como abstrair o fato de que realmente houve uma serialização da obra de arte em questão, o desenho animado, assim como sua reprodução, distribuição, acesso e serialização cau-saram uma consequente banalização da mesma.



Para finalizar, seguindo os conceitos e preceitos da Teoria Crítica, “Bob Espon-ja” está, segundo o critério de Umberto Eco, em “Apocalípticos e integrados” (1964), no que se chama de baixa cultura, justamente por se tratar de um desenho animado veiculado primeiramente ao público infantil, em televisão e ter se transformado em filme, desenho e videogame, envolto no mundo capitalista. Em contrapartida, não é porque ele está dentro deste meio que pode-se afirmar que houve uma desconexão entre seu pensamento e sua subjetividade, geradores de alienação, estando implícitas as ideias de efeito narcotizante da mídia e autoalienação.



Tendo esta contradição em vista, os Estudos Culturais entrarão no trabalho como um meio para se compreender, com uma maior riqueza de detalhes, o legado do desenho “Bob Esponja”, tentando-se tirá-lo do estereótipo de médio e baixo no que se refere à cultura e arte e enxergando vários outros diálogos dentro do diálogo primeiro e raso que se pode vir a ter da animação. Ainda que inegavelmente inserido na cultura pop e de fa-to visto por muitos e pela maioria como um mero entretenimento e mercadoria, não se pode deixar de perceber nele um legado e um recado.



Portanto, sendo a cultura uma prática social e os estudiosos do Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS) tendo trazido a cultura para as experiências cotidianas, fazendo da arte uma expressão cultural, sendo tais estudiosos possuidores de tradição na crítica literária, tomar-se-á como base para análise os estudos do linguista russo Mikhail Bakhtin, onde os produtos culturais possuem discurso social e tom crítico e tendo, então, uma tentativa de fim de classificações ocas como alta, média e baixa cultura. Principalmente, a ideia de que o discurso é compreendido dentro do espectro cultural, sendo a “polifonia” indispensável para a análise do trabalho em questão, onde entende-se que dentro de um discurso existem vários outros.



Diante do que foi dito anteriormente, vê-se que, para uma criança, o desenho se resume a uma pessoa ingênua, seu amigo bobalhão, um vizinho chato, um patrão mão-de-vaca e uma esquilo fêmea que não consegue respirar dentro do mar. Em contraparti-da, há os outros discursos dentro deste primeiro, compreendido por quem já possui um repertório mais extenso de experiências culturais e de vivência como um todo. Com is-so, pretende-se encontrar em “Bob Esponja” algo além do que a simples baixa cultura capitalista e de massa preconizada pela Escola de Frankfurt, com sua Teoria Crítica.



Tendo isso em pauta, consegue-se analisar o produto de massa escolhido diante de processos, comportamentos e situações inerentemente imersos dentro da cultura nor-te-americana em que ele está inserido e, portanto, cultura ocidental, pois fenômenos im-perialistas e globalizados auxiliaram na difusão e assimilação do american way of life. Acima de tudo isso, há, sobretudo, a deflagração de algumas condições humanas ineren-tes e latentes, o que remete à psicanálise, sobrepujando e agregando valor ao modo de vida ditado pela cultura, dando uma abrangência de identificação maior aos casos verifi-cados.



Aproveitando-se o gancho dado pelas ideias de Adorno e Horkheimer, na Teoria Crítica, há o personagem Patrick, que representa toda a estupidez e burrices carregadas intensamente nos dias de hoje por uma sociedade cada vez mais acomodada, obesa e sem intenções de alteração de quadro. Mostrado como alguém sem vontade própria e imerso em sua asneira crônica, já foi veiculado, em um episódio, que Bob Esponja, seu vizinho, emprestou seu cérebro durante um fim-de-semana para Patrick utilizar. Moran-do debaixo de uma pedra, com móveis de areia e sem passar a impressão de que está tra-balhando, Patrick Estrela nada mais é do que o homem médio norte-americano, que está acima do peso, pela grande disponibilidade e oferta de alimentação pronta e rápida que há, em sua maior parte gordurosa e calórica. Além de tudo, ele também é o consumidor cultural essencial para a manutenção da condição televisiva e de cinema norte-america-na. Em suma, ou seja, Patrick é a representação da média e baixa cultura, que suposta-mente não se “esforçaria” e estaria “satisfeita” com a “porcaria” que vê e recebe cotidia-namente. Patrick seria, então, um personagem metalinguístico, perante a Teoria Crítica: baixa cultura representada dentro de um desenho que o é da mesma forma.



Por outro lado, há Lula Molusco, um polvo que é insatisfeito com seu trabalho e que tem raiva de seus vizinhos, além de uma veia artística duvidosa e contestada, sendo um invejoso perante seus amigos do passado hoje bem sucedidos. Sendo essas as prin-cipais atitudes do personagem nas tramas, o principal conceito implícito que ele expõe seria o da arte e seus conceitos, com suas contradições. No desenho, Lula Molusco é mostrado como um homem refinado, mas chato. Ele teria, supostamente, acesso à alta cultura (música clássica, pintura e escultura), mas é uma pessoa amarga, passando-se a ideia de vinculação entre cultura refinada e falta de gosto pelas coisas realmente boas da vida, como, para Bob Esponja e Patrick, caçar águas-vivas. Sua frustração vem princi-palmente pelo fato de ele morar entre dois vizinhos sem a menor veia artística e refina-ção e, acima de tudo, estar sendo obrigado a trabalhar como caixa em uma lanchonete medíocre. Portanto, o desenho mostra que Lula Molusco não consegue ganhar a vida com tais artes subjetivas e duvidosas, mas sim em trabalho braçal e sem esforço intelec-tual, onde se emprega a grande parte da população adulta dos Estados Unidos. Para fina-lizar análise no que se refere ao personagem Lula Molusco, sua frustração é irrefutavel-mente exposta quando, se propondo a dar uma aula de arte em um curso, além de nin-guém aparecer para assisti-la – fora Bob Esponja, que devota uma amizade platônica por Lula Molusco –, pois as pessoas preferiram assistir a de culinária, Lula se depara com um brilhantismo sem esforços por parte de Bob Esponja, que sem querer, com ape-nas uma marretada, “recria” David, de Michelangelo, enquanto o professor tenta a todo custo forçar o colega a fazer as coisas erradas, para mostrar-se superior. De modo dico-tômico, há, então, a percepção de um Patrick Estrela apreciador de mediocridades, mas feliz, enquanto há um Lula Molusco requintado, mas frustrado e recalcado.



Por sua vez, Sandy é um esquilo fêmea vindo do Texas. Com roupa de astronau-ta para possibilitar sua respiração, não se sabe ao certo como Sandy foi parar dentro do mar, mas é notória sua saudade da terra natal, bem especificada pelos autores do dese-nho, que a fazem rememorar as nozes e tortas do Texas, além da vida pacata e campesi-na do Estado. Ela é, também, por sua vez, em um episódio, discriminada por parte dos demais personagens por não poder respirar dentro do mar, sendo um ser inferior por is-so. Neste sentido percebe-se uma deflagração do preconceito existente diante dos imi-grantes, que saem de sua terra natal e tentam em outra localidade uma vida melhor. Co-mo se sabe, os Estados Unidos é um dos principais países de recebimento de estrangei-ros, tendo uma população, principalmente a do Sul, pouco contente com a presença dos mesmos em seu território, sendo a massa mexicana, em suma, associada a assalto e van-dalismo. Por sua vez, outro fator que faz com que se conclua que Sandy seria a repre-sentação de uma ilhada refugiada, é a grande ênfase nas referências ao Texas. Para a sociedade norte-americana, o Texas seria como, para os brasileiros sulistas, o Nordeste. Com sua sociedade conservadora e caipira, sem olhar muito para o futuro. Assim, San-dy é associada a esses dois estereótipos, tanto o do preconceito externo (visão do norte-americano para os estrangeiros – relação entre personagens do mar e da terra) e o do preconceito interno (visão do norte-americano do norte para com os do Texas, sendo este Estado utilizado mais como uma referência maior a todos os demais Estados menos desenvolvidos do Sul).



O personagem do Seu Sirigueijo remete à questão trabalhista, onde ele, como patrão, é economizador ao extremo, submetendo seus funcionários a trabalhos exausti-vos e repetitivos, além de o desenho não fazer referência alguma quanto a salários pa-gos. Em contrapartida, apenas em um episódio, brevemente, Bob Esponja comenta que uma única moeda que o Seu Sirigueijo segurava representava mais do que seu salário do ano inteiro. Portanto, Seu Sirigueijo está inserido dentro da dinâmica capitalista de tra-balho, onde visa-se o lucro e os direitos humanos ficariam um tanto de lado. Sua lan-chonete, com seus dois funcionários, que realizam atividades mecânicas e repetitivas (Fordismo – “Tempos modernos”: Charles Chaplin), é, para uma estrutura dos EUA, um local extremamente barato para se fazer uma grande refeição, sendo este um grande a-trativo para a camada pobre frequenta-la, engordando e banalizando-se. Seu Sirigueijo, por sua vez, possui um amigo que tenta a todo custo roubar a fórmula secreta do ham-búrguer da casa, fazendo com que fique explícita a grande concorrência comercial no ramo.



Por fim, Bob Esponja, personagem-título, está envolvido em várias dinâmicas sociais e comportamentais, que o enriquecem como obra de arte e ao mesmo tempo o deixam acessível ao público infantil e desejoso de entretenimento. Primeiramente, a questão do amor platônico por parte dele para com seu trabalho e sua amizade com o personagem Lula Molusco. Ainda que os dois não sejam recompensadores, pois Lula Molusco o rejeita e ignora e o trabalho é exaustivo e quase assalariado, Bob Esponja demonstra um gosto muito grande pelos dois, sendo seu amor pelo trabalho, ainda que este seja reles, uma constatação do workaholic, problema muito associado à modernida-de e ao dever de mostrar serviço, pois o desemprego está logo ali. Por sua vez, inician-do uma divagação acerca das suspeitas de sua homossexualidade, pode-se afirmar que muitas das afirmações podem ter começado a vir pelas atitudes do personagem, hoje em dia muito associadas a valores sensíveis e femininos, como a dedicação, o amor ao pró-ximo, os dotes caseiros, uma grande amizade com pessoas do mesmo sexo. Fora os me-nos evidentes, há o seu comportamento para com o personagem Patrick, que não é de maneira completamente evidente, mas também não o é tão escondido assim. Portanto, no episódio em que Bob e Patrick vão ao parque no dia de São Valentim e Patrick fica triste pelo fato de que Bob não tinha nenhum presente para dar a seu “melhor amigo”, é de uma sutileza tocante e inegavelmente quis passar alguma mensagem, mesmo que ela tenha sido a de que apenas amizades boas são muito fortes e devem ser preservadas e re-conhecidas.



Concluindo, para finalizar o trabalho, chegou-se a conclusão de que um desenho que possui tantos vieses e outros caminhos possíveis não pode ser meramente classifica-do como medíocre. Por mais que ele esteja, sim, inserido dentro do processo da indús-tria cultural – como, aliás, quase tudo, haja visto que até um filme autoral e artístico al-meja ter uma grande bilheteria e servir a um público grande, conhecido por “massa” – “Bob Esponja Calça Quadrada” passa mensagens comportamentais e relevantes para se repensar a sociedade de hoje em dia, não podendo ser exclusivamente renegado a um público de apenas cinco anos de idade, às dez horas da manhã.

2 comentários:

franciely disse...

achei muito interessante. é exatamente o que acontece na sociedade moderna atualmente.

Unknown disse...

eu não sei porque mas essa critica não parece ser uma critica de fato parece mais á defesa de um fã á algo que gosta.