domingo, 4 de julho de 2010

Radiodifusão: atualidade, anacronismos, política e ingerência


Por meio da disciplina de Sistemas e Tecnologias de Comunicação, será realizada uma resenha crítica sobre a adoção do sistema de televisão digital, no Brasil, tendo como base trabalhos acadêmicos e matérias jornalísticas nacionais, no que tangem sua crítica, seu complexo sistema de adoção e seus perceptíveis interesses e ingerências, tanto na esfera política, quanto na da própria comunicação social, através da “grande mídia”, aqui normalmente familiar. Deste modo, há duas matérias veiculadas no Obser-vatório da Imprensa, http://www.observatoriodaimprensa.com.br/, uma do dia 27 de março de 2006 – “Os radiodifusores falam com uma só voz”, de Venício A. de Lima – e outra do dia 03 de abril do mesmo ano – “Denúncia: nosso sistema ser ‘analógico’”, de Israel Fernando de Carvalho Bayma. Em seguida, dois trabalhos acadêmicos, oriundos do II Encontro da Ulepicc: Bauru, 2008 (União Latina de Economia Política da Informação, da Comunicação e da Cultura) – Digitalização e Sociedade, realizado entre os dias 13 e 15 de agosto de 2008, ambos fazendo parte do grupo de trabalho de políticas de Comunicação – “Agenda de regulação, uma proposta para o debate”, de Gustavo Gindre Mon-teiro Soares; e “A radiodifusão em tempos de digitalização: confluências e contradições de uma legislação fragmentada”, de Octavio Penna Pieranti. Por fim, trabalho do pós-doutor Murilo César Ramos, do final dos anos 1990, entitulado “Televisão a cabo no Brasil: desestatização, reprivatização e controle público”. Sendo assim, pretende-se entender o mecanismo de avanço das políticas de comunicação no que se refere à atual si-tuação de crescimento da Internet e adjacências, e a vigência de anacronismos como o coronelismo eletrônico.


Os textos fazem referência tanto à televisão a cabo (Murilo César Ramos), como à questão da implementação da televisão digital, seu modelo e sua política de afirmação. Com redações mais e menos atualizadas, percebe-se que as últimas leis que alteraram condutas dos meios de comunicação nos últimos anos foram as de liberação de participação, ainda que pequena, estrangeira, nos meios nacionais (Octavio Penna Pieranti), de 2002, sendo as razões para afastamento, segundo o autor, basicamente duas (caso de descumprimento de normas, é mais fácil acionar judicialmente empresas que são regidas pelas leis nacionais; fora que, como a radiodifusão é de “interesse nacional”, era-se presumível que apenas brasileiros a controlassem). A última são as que dizem respeito à televisão digital (SBTVD – Sistema Brasileiro de Televisão Digital), ainda que, segundo o “Observatório da Imprensa”, permaneça-se o modelo analógico, já vigente (Israel Fernando de Carvalho Bayma), demonstrando-se o poder das grandes mídias e do coronelismo eletrônico e do clientelismo político.
Quanto ao modelo de televisão digital a ser adotado, Venício de Lima afirma que, com o modelo japonês, não haverá alteração no modelo de negócios vigentes e que as emissoras poderão transmitir seu conteúdo para celular diretamente, sem que seu sinal necessite passar por operadoras de telefonia móvel. Portanto, mais autonomia aos canais e menos para as operadoras de telefonia. De outro modo, o modelo europeu de televisão digital, que igualmente permite transmissão simultânea em alta definição e pa-ra celulares, favoreceria e daria mais autonomia às operadoras, pois permitiria à elas utilizar parte dos canais UHF e VHF para transmitir conteúdo. Portanto, o modelo europeu seria uma ruptura, fazendo com que entenda-se a pressão das Organizações Globo para a implementação do modelo japonês de televisão digital. Já Israel Fernando de Carvalho afirma, como explicitado no parágrafo anterior, que o padrão da televisão digital no Brasil será análogo com o que já existe, fazendo, em seguida, uma boa explicação do que é a televisão digital e do que se trata uma televisão análoga. Através da explicação, ressalta que “Se o sinal for realmente muito fraco, a transmissão poderá ser até mesmo interrompida onde, sob as mesmas condições, uma transmissão analógica ainda poderia ser assistida (porém, com imagem muito ruim).” Então, através das “denúncias” de que o sistema será mantido analógico, “Até o Senado da República e Câmara dos Deputados (...) proporão Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para apurar os respon-sáveis e culpados por este escândalo. Será a CPI da Mídia.” Através, enfim, de enume-ração dos “monopólios” dos canais de televisão brasileiros, “o mais importante dos mo-dernos meios de comunicação.” (RAMOS, p.3), é complexo de se compreender, para o jornalista, a razão para ter-se prioridade na escolha do padrão digital, em um país onde 46 milhões de domicílios possuem televisão aberta e gratuita e apenas 26 milhões com fogão e mais de 10 milhões sem energia elétrica.

Todas as políticas de comunicação apresentadas e vigentes no Brasil, sendo a primeira remanescente da década de 1930 (PIERANTI, p.1004) – já, por sua vez, atrasada, haja visto que foi implementada “quase uma década depois de as primeiras emissoras de rádio começarem a transmitir sua programação regularmente no país.” – não atendem satisfatoriamente às alterações culturais implementadas pelo advento da Internet. As leis discutidas por Murilo César Ramos são da década de 1990 e discutem televisão a cabo, sendo, nesse caso, até compreensível não discutir-se sobre a Internet. Entretanto, na lei de 2002 que trata da presença estrangeira nos meios, não se faz referência à Inter-net, havendo, então, um vazio. Não houve, por meio de quem a lei fez, compreensão de que a Internet é também um veículo de comunicação e que há sites noticiosos, dentre outras coisas, com total caráter de meio de comunicação social, de jornalismo. Hoje ainda, com a discussão da implementação da televisão digital – algo que, nos textos, vai até o ano de 2008 – não se percebe uma real noção da Internet inserida no mesmo balaio de gatos. Alterando um tanto esse quadro, há o trabalho de Gustavo Gindre Monteiro Soares, que discute convergência de mídias, passando por governança na Internet. Assume, também, o argumento de que as políticas implementadas no país são difusas, incipientes e presas em politicagens: “Esta pesquisa assume o pressuposto de que a regulação é um processo político, marcado pelas disputas entre os diferentes atores sociais envolvidos no processo, não sendo, portanto, nem neutro nem imparcial.” (SOARES, p.600).

Fora as ingerências encontradas dentro das políticas de comunicação, há um estereótipo de que toda e qualquer lei que tente regular algo dentro da comunicação social configura-se como censura. Muito bem posto por Murilo César Ramos, ele afirma que a primeira grande ação democrática por parte de governo para ação da comunicação foi a Primeira Emenda à Constituição americana (p.2-3), que deu total liberdade de ação a ela e onde vê-se razão para a frase de que é melhor uma imprensa sem governo, do que um governo sem uma imprensa. Retomando ao estereótipo, Murilo César Ramos afirma que o fato de Estados Unidos, Inglaterra e Japão terem se retirado da UNESCO, na década de 1980 (p.4), à relação entre políticas de comunicação e socialismo. Então, apenas com o fim da ditadura militar, em 1984, para ele, que as coisas recomeçaram a serem discutidas. Ainda historicamente falando, percebe-se que já há tempos há a ideia de relação entre comunicação e poder estratégico, com afirmação do presidente militar da República Arthur da Costa e Silva: “mais comunicação é mais segurança, mais bem-estar, maior velocidade na penetração da civilização contemporânea nos distantes e silenciosos rincões de nossa Pátria.” (p.3, citando MATHIAS, 1999, p.162).

Quanto ao trabalho de Murilo César mais especificamente sobre a regulamentação da televisão a cabo no Brasil, ele descreve o processo trilhado pelo projeto Tilden Santiago e suas adjacências. Este cai em esquecimento, em razão da revisão da Constituição de 1988, no ano de 1993. É posto, então, outro parlamentar, que não Koyu Iha e nem Irma Passoni, diretamente envolvidos no projeto Tilden Santiago para comendo no governo da questão. Em substituto ao “Fórum/Telebrás”, uma rede única, rede pública e participação da sociedade, complementando a “reprivatização (sabe-se que televisão a cabo seria de atuação privada, que nem nos EUA, mas qual interesse público nisso?), desestatização e controle público.” (RAMOS, p.8) Tal caráter privado é perceptível com a criação Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA), comandada pelas Organizações Globo, Grupo Abril e Multicanal. Sobre o projeto Tilden Santiago, em 26 de junho de 1994, o parlamentar Koyu Iha apresenta um substituto (p.12), promovendo a lei 8.977/95, lei da TV a cabo. Na problemática da tríade proposta no título do trabalho de Ramos, o caráter público da lei permitiu que canais gratuitos para o Senado, a Câma-ra Federal, Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores, instituições universitá-rias e de caráter educativo-cultural, como também para entidades comunitárias. Porém, pondera: “Mas, se a regulamentação da TV a Cabo foi capaz de trazer uma importante inovação no que tocava ao caráter público do serviço e das redes, a ideia do controle público, como complemento do processo de desestatização e reprivatização, jamais vingou.”
Com tudo o que foi explicitado no trabalho, concluindo, entende-se que ainda há muito que ser feito, que a radiodifusão brasileira ainda encontra muitos percalços pelo caminho e que um bom entendimento das novidades mais agilmente deve ser posto em prática legal. Há de se ter, então, um menor monopólios dos meios de comunicação – leia-se Organizações Globo, principalmente –; uma regulamentação da comunicação proveniente da Internet, tanto no que tange a participação estrangeira no setor, como qualquer outra inclusão da mesma em leis de comunicação social; um menor coronelis-mo eletrônico, remanescente dos monopólios familiares, como também dos interesses que os políticas possuem dentro da área; como também, finalmente, um maior controle por parte de órgãos oficiais reguladores, preferencialmente isentos e independentes de governos e empresas privadas, que possam punir e investigar mais eficazmente deslizes, como o da adoção do sistemas japonês para a televisão digital, que visa apenas a manter o vigente processo analógico; fora que a prioridade de uma nação deve ser sua popula-ção no que se refere à educação e saúde, não a televisão digital. Tudo, pois, pode ser posto em uma frase extraída da ma-téria do Observatório da Imprensa, “Denúncia: nos-so sistema será análogo”, de Israel Fernando de Carvalho Bayma, em fim de reporta-gem: “Como será difícil justificar para as próximas gerações que o Sistema Brasileiro de Televisão Digital, o SBTVD, não previu preliminarmente a modernização de todo o arcabouço legal da comunicação social eletrônica. Como será difícil justificar que a ausência de uma política pública de comunicação de massa continuará contribuindo para a criminalização das rádios comunitárias; impedindo uma comunicação democrática não monopolista, e, ao mesmo tempo, continuar beneficiando quase-monopólios privados do rádio e televisão brasileiros.”

Bibliografia
RAMOS, Murilo César. Televisão a cabo no Brasil: desestatização, reprivatização e controle público;
PIERANTI, Octavio Penna. A radiodifusão em tempos de digitalização: confluências e contradições de uma legislação fragmentada;
SOARES, Gustavo Gindre Monteiro. Agenda de regulação: uma proposta para o debate;
LIMA, Venício A. de. Os radiodifusores falam com uma só voz;
BAYMA, Israel Fernando de Carvalho. Denúncia: nosso sistema será “analógico”.

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