sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Novo conto brotado do chão

Se eu escrevesse cartas e fizesse aniversário

Eu deveria escrever cartas. Assim, poderia trabalhar de maneira mais satisfatória a minha literatura. Mas não tenho certeza se alguém, hoje em dia, ainda gostará de receber cartas. Eu gostaria de escrevê-las, mas tenho quase certeza de que não as receberia de volta, como resposta, ficando assim em um vácuo comunicativo, que representaria, para a minha pessoa, a falta de apresso que os outros têm por mim. Devo, em todos os meus vinte anos de vida, ter escrito duas cartas. Uma, para uma prima espanhola, tendo recebido resposta, graças a Deus, ainda que muito tempo depois. Outra, para um namorinho qualquer, o que arrependo-me deveras, pois além de não obter resposta, envergonho-me de ter colocado ali coisas tão desnecessariamente bonitas para alguém que em nem dois meses abandonou-me. Tendo a crer, aliás, que sempre abandonam-me. Nunca penso que eu desisti de você, ou de vocês. Porém sempre penso que você, ou vocês, desistiu/desistiram de mim. Isso deve ser porque eu fui criado dentro de uma sociedade repressora e oprimida, onde eu tenho mais que escutar do que dizer, mais dar do que receber, mais estudar do que ser estudado, mais amar do que ser amado, mais dar respostas do que ser respondido. Porque eu quero responder-me, por mais que não consiga, quase sempre. Dar uma frase como retorno a uma outra frase interrogativa é algo dificílimo, até para os mais treinados. Tudo fica mais difícil quando trata-se de si mesmo. Além de tudo, é complicado definir-se sem parecer altruísta ao revés. Também não quero parecer. Gosto de falar sobre mim, sobre as minhas coisas, sobre o que gosto de fazer, sobre minhas ignorâncias e banalidades. Pois é a única coisa que acho que mais sei. Posso especular sobre tudo, mas sobre mim afirmo conscientemente. Se escrevesse cartas, todas elas, infelizmente, seriam sobre mim mesmo. Então, não tem mais sentido escrever cartas, porque para falar de mim mesmo, já escrevo livros. Devo mais pensar que escrevo livros do que de fato escrevê-los. Pensa-se demais e faz-se de menos. Sempre foi assim e é ignorância dizer que hoje é diferente de ontem. Se escrevesse cartas, todas elas seriam contando o eu. Se escrevesse cartas, porque das duas que escrevi, foi sempre pensando em fazê-lo para, a partir daí, criar um hábito de escrever cartas. Elas, então, não existiram por si mesmas, foram apenas uma suposta partida, que vê-se agora, vazia, tanto de sentido, quanto de conteúdo, porque além de não ter recebido resposta da última, não consegui, por meio de nenhuma delas, uma resposta. Mas que resposta? Uma resposta.

(...)

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