Em dezembro de 2008, o Morro Santa Marta foi o primeiro da cidade do Rio a receber uma UPP (Unidade de Polícia Pacificadora), em iniciativa conjunta do governo estadual com a prefeitura para retirar o tráfico de drogas das favelas cariocas. Cerca de seis meses antes da instauração de sua unidade de comando, no alto do morro de Botafogo, na zona sul da cidade, o governador Sérgio Cabral inaugurou o Plano Inclinado do Morro Santa Marta, um bondinho gratuito que liga os principais pontos da comunidade, em cinco estações, fazendo o transporte de cerca de 5,6 mil pessoas, em um trajeto de 340 metros. Para o governo, a instauração do bondinho foi essencial para a deflagração do tráfico, assim como possibilitou uma melhor acesso à comunidade pelos moradores e turistas, que antes tinham de subir 788 degraus para visitar pontos como a Laje do Michael Jackson (local onde, em 1996, o cantor gravou parte de seu clipe They don’t care about us) e o Mirante do Pedrão, com vista panorâmica da cidade.
Para a moradora Michele Xavier, de 17 anos, mãe de um bebê de apenas um mês, o bondinho foi essencial para idosos, grávidas e mães com crianças de colo: “Muito ruim ter que subir tudo de escada, ainda mais com bebê, porque moro lá em cima”. No entanto, faz ressalvas: “Outro dia tive que subir tudo a pé, porque estava parado para manutenção”. Segundo ela, o bondinho não funciona nas segundas e terças-feiras, voltando apenas depois das 16h. Mas de acordo com informações da EMOP/RJ (Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro), órgão público responsável pelo Plano Inclinado, afixadas no bondinho, o horário de funcionamento vai de 6h30 à meia-noite, de segunda à sábado, com intervalos de 10 minutos, e de 6h30 à meia-noite, nos domingos e feriados, de meia em meia hora, podendo fazer o transporte de 25 pessoas por viagem.
Em 2009, foi divulgada pela imprensa a intenção de o governo construir outro Plano Inclinado no local, próximo ao muro que divide a favela da floresta, com um projeto semelhante ao do Elevador Lacerda, em Salvador. Apesar de tudo, até hoje os moradores não sabem se o projeto irá se concretizar, pois ainda nenhuma providência foi tomada. “Todo mundo só escutou desse outro elevador, mas ninguém sabe mesmo se vai ter”, afirma Andrielle Costa, auxiliar de enfermagem desempregada, de 35 anos. Para a construção do Plano Inclinado atual, mais de cem barracos tiveram de ser demolidos e seus moradores despejados. De acordo com o governo, foi dada uma oferta para os que pretendiam vender seus imóveis. Já para os que desejavam permanecer no Santa Marta, foram disponibilizados aluguéis sociais e a construção de 59 casas de alvenaria e prédios de conjuntos habitacionais.
Na véspera do feriado de Corpus Christi (22 de junho), por volta das 14h, eram vistos nas filas que se formavam para ter acesso ao bondinho vários idosos, crianças voltando da escola, desempregados, empregadas domésticas, auxiliares de enfermagem, homens ouvindo música alta do celular sem fones de ouvido, uma senhora sempre sentada em um banquinho vendendo salgados, turistas visitando e querendo comprar um imóvel na favela, e funcionários do Rio Top Tour. Fruto de uma ação conjunta entre o Ministério do Turismo e o governo do Rio, o Top Tour foi lançado em 2010, no governo Lula, como uma forma de estímulo ao turismo em comunidades pacificadas do tráfico de drogas, sendo o Santa Marta a primeira a recebê-lo. Aliciando moradores da comunidade para lidar com os visitantes nacionais e estrangeiros, o projeto recebeu em sua primeira fase um incentivo de R$ 230,3 mil. De acordo com a turista alemã Astrid Stein, de 50 anos, a disponibilidade para informação e o bondinho foram essenciais para sua visita ao local: “Se não tivesse bondinho, nem subiria o morro. Ele dá uma cara de cidade à favela.”
Já a senhora que fica sentada em um banquinho vendendo salgados na entrada do Plano Inclinado do Morro Santa Marta, diz que é bom trabalhar como ascensorista do bondinho, mas que se recebe muito pouco. Sua filha, Andressa Maurício dos Santos, de 28 anos, trabalha no local desde que ele foi inaugurado e compõe o quadro de funcionários que se revezam em quatro turnos diários para atender o público. Para ela, os melhores horários para se vender salgados é ao meio-dia e depois das 16h, “quando a fila dobra”, pois são os turnos em que os estudantes estão voltando da escola e os trabalhadores do serviço. A vendedora, Miriam de Oliveira, de 48 anos, empregada há duas semanas revendendo os salgados para um senhor que mora “bem na metade do morro”, ressalta que deveria ser obrigação do governo construir elevadores em todos os morros da cidade, pois o acesso a eles é muito precário: “Podia ter elevador em todos os morros. Tem favela muito mais alta que essa”. Sobre o Santa Marta (ou, para os evangélicos, Dona Marta), diz já estarem acostumados com o assédio da mídia e dos turistas, se questionando ao repórter: “Você não é da Record, não? Ontem mesmo (21 de junho), a Record esteve aqui. Deve ter sido pra gravar a novela, estava cheio de artista.” Religiosa fervorosa, entre um e outro cliente da fila para o bondinho, lê a Bíblia que fica sobre seu isopor: “Jornalista tem que ler a Bíblia? Porque advogado tem, né?”
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