“O mundo é minha representação”
Arthur Shopenhauer
Vive-se em uma sociedade – pelo menos uma sociedade acadêmico-universitária – onde há terreno fértil e espaço para a proliferação de discursos que cunham o desmembramento de conceitos e suas desconstruções, visando deixar de lado um passado onde as verdades absolutas eram tidas como formas de subjugar e domesticar um grupo de indivíduos. Junto disso, há o fenômeno – não tão moderno, já que alguns teóricos defendem que a globalização existe desde o século XVI, com as Grandes Navegações – da massiva troca de informações e mercadorias, do grande fluxo de gente e da quebra, com o advento dos meios de comunicação atuais, de barreiras físicas, temporais e espaciais. Sendo assim, o objetivo deste texto é argumentar em cima da grande relativização generalizada que impera, a partir de teóricos afeitos às quebras dos paradigmas vigentes, tendo o mundo global e ocidentalizado como contexto.
Compreender, em princípio, de que é falsa e ilusória nossa concepção de nacionalidade e identidade cultural. Em conceito defendido por Benedict Anderson (1983) e ratificado por Stuart Hall (2003), a vida nacional nada mais é do que uma farsa com o intuito econômico de unir um grupo em torno de um passado e intenções comuns. Da mesma forma que surge a ideia de que todo inglês, por exemplo, é fruto de um mesmo denominador comum, há o surgimento dos mitos (Robin Hood) para a melhor união sentimental entre o povo. Soa como natural e predestinada até divinamente a divisão territorial de um país, quando na verdade ela é moldada e artificial, tendo a África como melhor descrição desta situação. Igualmente, a língua nativa, a língua mãe de uma pátria, nada mais é que uma imposição autoritária sobre as demais.
Já atribuindo a concepção foucaultiana para o surgimento e pertinência de um determinado discurso (1971), há, por exemplo, a verdade e suas variantes atribuídas à condição homossexual dos seres humanos, discutidas em seus textos sobre a sexualidade (1976 e 1984). Parece não haver dúvidas de que a condição básica para alguém ser em sua essência homossexual é ter interesse sexual por outras pessoas do mesmo sexo. No entanto, a visão e o tratamento imputado ao cidadão homossexual mudaram durante os séculos. Há desde uma História que defende que na antiguidade grega as relações homossexuais eram predominantes e não discriminadas, até um momento em que o “pederasta” era condenado à prisão, como ocorreu com o escritor inglês Oscar Wilde, no fim do século XIX, passando pelo estágio da loucura, chegando aos dias de hoje, onde predomina um entendimento não punitivo à condição homoafetiva. Com isso, vê-se que a “verdade” sobre o homossexual foi constantemente alterada, pondo em discussão a verdade da verdade: o que hoje é, amanhã pode não ser mais. Esta iniciativa passa regularmente por vontades e intenções políticas e econômicas.
Ainda no campo da dissecação das realidades cuspidas, principalmente pelas concepções bíblica e helênica, tem-se em Jacques Derrida um estudioso que questionou a situação paradoxal do homem e da própria filosofia. Analisando a “metafísica da presença”, onde prega a impossibilidade da experiência, é muito pertinente no século XXI, com a discussão do “virtual” da Internet em encontro do “real” da vida. Na intenção de se afastar do conceito de realidade em seus estudos, vê a aporia da experiência como um caminho: estamos presentes em nosso nascimento e morte, mas ao mesmo tempo não estamos, já que somos passíveis a ambos. Afasta-se, portanto, do próprio conceito da filosofia de que ela seria capaz de unir mais as pessoas à realidade plena das coisas.
Sendo um analista feroz do capitalismo, da globalização e, portanto, da vida moderna, Zygmunt Bauman expõe em várias de suas obras uma sociedade fluida e inconstante. Vê no apreço pelo dinheiro plástico uma forma de escravização espontânea e na iminência da eterna dívida um sadomasoquismo. A liberdade individual que se prega hoje é em si uma cilada que obriga as pessoas a buscarem espontaneamente a felicidade e a consumirem um produto pré-estabelecido. “‘Líquido-moderna’ é uma sociedade em que as condições sob as quais agem seus membros mudam num tempo mais curto do que aquele necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas, das formas de agir.” (página 6, “Vida líquida”, 2005)
Portanto, para os países pobres e em desenvolvimento, o discurso relativista pós-moderno serve como uma forma de emancipação. Ou seja, diante dos discursos anteriormente citados, vê-se que as realidades constituídas por uma cultura predominante e pelo poder econômico servem para subjugar e manter na escória sociocultural determinada região. Na visão histórica de Nietzsche, há a parcela de pessoas “que talvez se consolam com o pensamento de que ‘os próximos 20 anos serão melhores’” (página 78, “Escritos sobre história”). Mas em si, sabe-se que a história com H é contada pelos vencedores e passa a ideia de linearidade, lógica e constância, quando ela não é, sendo múltipla e inconstante, real em suas várias realidades. Esse discurso progressista é imputado aos países pobres para que se creia que um dia eles também serão desenvolvidos, mas na verdade é uma atitude política e econômica dos países ricos mantê-los ou não no subdesenvolvimento. Do mesmo modo, a ingerência dos ricos sobre os pobres é latente nas comunidades imaginadas de Anderson no que diz respeito, sempre, à África, assim como os supostos benefícios do capitalismo globalizado estudados por Bauman de fato assolam mais na miséria as sociedades carentes de recursos.
Bibliografia:
1. I Colóquio Internacional Desconstrução, Linguagem e Alteridade: heranças de Jacques Derrida (de 13 a 17 de junho de 2011, no IFCS-UFRJ);
2. “Vida líquida”, Zygmunt Bauman (2005)
3. “O mal-estar da pós-modernidade”, Zygmunt Bauman (1997)
4. “Capitalismo parasitário e outros temas contemporâneos”, Zygmunt Bauman (2010)
5. “Simulacros e simulação”, Jean Baudrillard (1981)
6. “A identidade cultural na pós-modernidade”, Stuart Hall (2003)
7. “Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo”, Benedict Anderson (1983)
8. “Escritos sobre historia”, Friedrich Nietzsche (1862, 1874 e 1872-1889)
9. “A ordem do discurso”, Michel Foucault (1971)
10. “História da sexualidade”, Michel Foucault (1976 e 1984)
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