Antes de
entrar na Casa da Ciência da UFRJ, eu quase quebrei a perna. Um ralo
estava indevidamente destampado e eu, ao ficar prestando atenção na
fachada da Casa, não me dei conta do equívoco urbano. Passado o
susto e a vergonha por ter sido a razão do riso dos pedestres,
entrei no recinto com o intuito de conhecer e compreender melhor a
química que permeia o meu dia a dia dentro de casa, na exposição
“Cadê a química?”
Em
comemoração ao Ano Internacional da Química no Brasil, em 2011, a
UFRJ promoveu em parceria com a Sociedade Brasileira de Química
(SBQ) o espaço interativo para ressaltar a importância dos estudos
e do investimento em química no desenvolvimento de utensílios e
estratégias que auxiliam de maneira essencial nossa vida dentro de
casa. Um tema aparentemente interessante, pensei eu, que poderia
atrair um público amplo, já que todas as pessoas sem exceção
usufruem dos benefícios da química no cotidiano. Porém,
surpreendi-me ao me ver sozinho no recinto, tomado por aquele
constrangimento de ser o único em meio a ninguém.
O espaço
era uma grande sala onde montaram uma casa com seus cômodos, em um
ambiente lúdico, colorido e ampliado. A exposição, antes de entrar
de fato na química que habita cada cômodo da casa, exibiu vídeos
que demonstraram a relevância desta disciplina para o
desenvolvimento humano, desde a descoberta do fogo pelo homem até as
guerras ganhas pela utilização da pólvora.
Não sei
se era a hora – logo depois do almoço –, mas me aliviei por
pensar que poderia passear pelo recinto sem ser atrapalhado. Ledo
engano, já que rapidamente surgiu um rapaz de cabelos cumpridos, com
uma blusa da exposição, para guiar-me. Percebi logo que ele fora
instruído para ensinar e conduzir crianças em grupos escolares.
Notamos – eu e ele – um deslocamento de ambas as partes. Ele por
estar ambientando em linguagem tatibitati um homem formado e eu por
estar notando que por mais baixo que eu fosse não era uma criança
em estágio escolar e que daquelas perguntas que ele fazia da maioria
eram bem simples e eu as respondia de pronto. Rezávamos, tinha
certeza, para que de repente surgisse uma manada de jovens para
deslocar nossa atenção forçada um do outro.
Passei
pela sala, pelo quarto e cheguei à cozinha, com o guia. Ele
ensinou-me sobre os hormônios do sono, do prazer, passou a falar
sobre onde os remédios eram melhor armazenados e eu reparei que
havia algumas coisas expostas que ele passava direto sem me dar
nenhuma explicação. Ao chegar na cozinha, ouvimos um grupo de
crianças entrarem. Eram seis meninas e um menino, que usavam uma
blusa com o slogan de uma organização não-governamental. Chegaram
fazendo a algazarra natural. De todo aquele silêncio instigante
passou-se para o falatório desenfreado. Outros guias surgiram para
auxiliar na empreitada de ensinar a posição correta do ovo na
geladeira. Os guias sempre interrompidos por gritos, eu dividia com
os meninos a mesa da cozinha para prestar atenção na aula. “Gente,
cala a boca, deixa o moço ouvir”, gritou uma das crianças fazendo
referência a mim, o “moço”.
“Quer
mostrar que é da favela, garota?!”, repreendeu uma das meninas sua
colega. Porém, ela era uma das que também não conseguia sossegar.
Do grande silêncio chato eu havia passado para o falatório que
estava, devo reconhecer, bem divertido. Os guias se estressaram um
pouco mas permaneceram na empreitada. Saímos da cozinha e fomos até
a área. Descobri, então, que por mais “adulto” que eu fosse,
eram as meninas que mais sabiam sobre como lavar roupa e que material
conseguia tirar satisfatoriamente manchas de sangue e/ou vinho de uma
calça jeans. Elas estavam mais preparadas para a vida que eu, que
não sei lavar uma roupa, preparar uma comida e lavar um chão de
banheiro.
Depois da
área de serviço, eles retomaram para o quarto e a sala, recintos
que eu já havia passado. Decidi, então, ir sozinho para o banheiro
e o quarto das crianças. Notei, com isso, que havia sido
sumariamente abandonado. Nenhum guia me acompanhou e eles, por mais
que eu olhasse em volta, pareciam ter desaparecido. Vi, portanto, o
vídeo interativo do cocô na privada, sem maior detalhamento.
Antes de
ir embora, olhei de longe uma senhora sentada na mesa da cozinha
prestando atenção a um dos guias. Ela também estava sozinha e não
era uma criança.
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