A
China comunista camponesa e reacionária da Revolução Cultural é retratada no
filme “Balzac e a costureirinha chinesa”, uma adaptação sino-francesa de
romance homônimo de Dai Sijie. As personagens principais do longa são os jovens
Luo e Ma, rapazes de 17 anos encaminhados para reeducação social no campo pelo
governo chinês, por seus pais serem médicos e dentistas, profissões
consideradas burguesas e indesejáveis para o regime vigente. Possuidores de uma
abrangente cultura geral, a dupla sabe ler, escrever e tocar instrumentos
musicais.
Já
no convívio com a aldeia, os pobres e arcaicos camponeses não chegam a saber
nem o que é um violino. Em cenas iniciais do filme, um dos jovens toca o
instrumento para a população ignorante e afirma: “Mozart está pensando no
presidente Mao”, persuadindo-os sobre a relevância daquele ato. Lênin torna-se
responsável por “O lago dos cisnes” e Balzac diretor de um filme.
A aldeia é um ambiente sem leitura e
escrita, fisicamente de difícil acesso, composta por agricultores e tecelãs.
Durante uma reunião para a propagação do ideário anticapitalista, os jovens
“burgueses” sentam-se junto da gente para ouvir de um palestrante o que ele
afirma ser o saber e a verdade e o melhor para a China. Deste modo, percebe-se
ser este um ambiente de fácil manipulação.
Neste
ínterim, Luo (sempre vestindo camiseta azul) e Ma (sempre vestindo camiseta
vermelha) convivem e se apaixonam pela neta de um senhor respeitado no povoado,
conhecida por “costureirinha”. O elo entre eles se estreita a partir do momento
em que descobrem escondido em uma caverna uma coleção de livros estrangeiros,
proibidos, de autores como Balzac, Flaubert, Tolstói. Analfabeta, a
costureirinha ouve todos os dias as histórias lidas por Luo e Mao, recebendo
deles uma cultura ocidental por meio de clássicos da literatura romântica de
séculos passados. “Vou curá-la da sua ignorância”, afirma Luo para a
costureirinha.
Ela engravida de Luo e retira o
bebê, já que seria castigada por seu avô. Após ouvir muitos dos livros e ter
passado pela transição da ingenuidade para a maturidade física da mulher, a
costureirinha deixa a aldeia de lado e vai para a cidade, abandonando os dois
homens que a amam. O filme nos faz compreender que ela, independente “por causa
de Balzac”, vai atrás de sua própria liberdade em razão da liberdade vivida por
ela nos romances ouvidos. De uma realidade passiva e sem futuro, ela se
transforma em ativa e transformadora. “A beleza da mulher é algo sem preço”,
lê-se em Balzac no filme.
A
vida da costureirinha é, de fato, transformada pela chegada dos autores
ocidentais e pela chegada dos “burgueses” Luo e Ma em reeducação, mas ela em
nenhum momento aprende a ler por si mesma. Por mais que ela interprete o que
ouve, não a ensinaram a ler por contra própria, o que de certa forma ela faz quando
sai de casa. Ela foi aprender a ler sozinha na cidade grande chinesa,
metaforicamente. Vinte anos se passam e o povoado é alagado, sem que Luo e Ma,
já com suas vidas encaminhadas, saibam do destino da costureirinha.
A realidade consegue ser moldada e transformada, haja visto
os exemplos de autoria de "O lago dos cisnes" etc., mas ate que ponto
podemos saber como a realidade da costureirinha foi transformada a
partir da intimidade com a literatura ocidental? Ela nao teria saido da
aldeia sob outras circunstancias que nao esta? Caso fosse engravidada
por outro, sem nunca ter ouvido nenhum livro proibido, qual teria sido
sua atitude?
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