domingo, 1 de abril de 2012

História estranha e familiar da leitura


O principal objetivo do nono capítulo do livro de Robert Darnton é argumentar sobre as dificuldades de se promover uma história da leitura. Complexa em sua natureza, ela esbarra em abordagens distintas e em técnicas para sua pesquisa com algumas possibilidades de falha. No entanto, segundo o autor, a leitura possui de fato uma história (p. 171) e que é pela via da pesquisa histórica que poderemos compreender o modo como o leitor lê e, com isso, vê a vida. Ressalta, também, que é dentro de nossa própria cultura ocidental que existe a possibilidade de se avaliar as transformações na leitura. (p. 159)

Por meio das análises de arquivos e documentos de época, têm-se uma visão do que era lido e de quem lia. Pela vertente do estudo documental, há as técnicas macro e microanalíticas. De grosso modo, a macro vislumbra o campo da biblioteca pública e a micro a da particular. Porém, sabe-se que em nossa casa não lemos todos os livros que comprarmos e lemos muitos livros que não possuímos, assim como o autor expõe o exemplo de uma biblioteca europeia do século XVIII onde não se encontrava registrado um exemplar de um livro fundamental do Iluminismo, de autoria de Rousseau. Darnton afirma não ser fácil desenvolver uma teoria da reação do leitor, da leitura em suas complexidades, por meio dos arquivos. “Possível, mas não fácil, pois os documentos raramente mostram os leitores em atividade, modelando o sentido a partir dos textos, e os próprios documentos também são textos, o que requer interpretação.” (p. 148 e 149).

Outro ponto do texto delimita o momento de transição para o que se considera a “revolução da leitura” no século XVIII, quando o livro passou a ser mais difundido. Em um momento anterior, a leitura era feita em voz alta e em grupos, registrada como “ouvida” e não “lida” (p. 158), da mesma forma como poucos livros eram lidos muitas vezes, eles sendo majoritariamente religiosos. O ato físico da leitura se torna mais agradável, o que proporciona empregar um entretenimento maior ao ato de ler. Passa-se da leitura de pé em espaços públicos de livros grandes e difíceis, tanto em seu conteúdo quanto em sua forma, para a leitura prazerosa e descartável na residência. Desta forma, o gênero romance cresce vertiginosamente e percebe-se uma queda na literatura religiosa durante os anos 1700 (p. 151 e 152).

O capítulo é, portanto, satisfatório em sua intenção de delimitar as formas para que se possa alcançar a história da leitura. Chega-se a uma conclusão objetiva da mudança dos modos e usos do ler durante os séculos, mas é de conhecimento do autor a dificuldade de se alcançar o que a leitura significa para o homem: “Nem sequer compreendemos como nós próprios lemos,” (p. 159). Através de relatos pode-se vislumbrar como a leitura era vista, em 1795, por exemplo, quando J. G. Heinzmann faz um triste prognóstico para quem lê em demasia (p. 160).

Mais adiante no capítulo, o autor se delimita, sob a abordagem da teoria literária – no que tem a intenção de traçar a história da leitura sob cinco distintas abordagens –, no que diz respeito à forma como a obra literária passou a ser apresentada aos leitores. A partir de trechos de um livro de Ernst Hemingway e da obra “Orgulho e preconceito” (p. 166), Darnton demonstra as diferentes formas de um escritor introduzir seu leitor na narrativa. Assim, uma ponte pode ser feita entre estas análises e as teorias de Umberto Eco em seu livro “Seis passeios pelos boques da ficção”, onde este define as funções de leitor e autor, afirmando ser Wolfgang Iser, com a estética da recepção, um caminho plausível para a definição do leitor em seu ato de ler como “fato central da literatura” (DARNTON, p. 167).

Portanto, ainda que complexa, o autor nos faz perceber que o mais importante para o estudo da história da leitura é, antes de tudo, considerar o leitor como fator central das análises. O homem utilizou a leitura como mecanismo para melhor compreender sua própria existência e a partir do momento em que houve a “revolução” literária no século XVIII e a maior difusão da leitura no mundo ampliou-se a matéria prima para estudo sob esta perspectiva.

Antes, do aprendizado nas escolas inglesas (p. 162) da leitura antes da escrita e do fato de nas escolas francesas (p. 163) se aprender primeiro o latim e, posteriormente, aos que persistiam no estudo, o francês, entende-se que o ensino era apenas para criar um leitor empírico, do dia-a-dia (ECO, p. 14). Hoje, a leitura é um produto amplamente difundido e compartilhado com o público, sendo um desafio vislumbrar os modos que ele faz dela. As abordagens de Darnton para a história da leitura unida à estética da recepção vêm, então, como um caminho.

Um comentário:

Unknown disse...

Quais são as abordagens?