A trajetória do cinema moderno brasileiro foi delineada pelos textos de Ismail Xavier e Paulo Emílio Sales Gomes. Em “O cinema brasileiro moderno” e “Cinema: trajetória no subdesenvolvimento”, respectivamente, no que diz respeito aos capítulos referentes ao artigo de 1995 de Xavier, “O cinema brasileiro moderno”, e “5ª época: 1950 a 1966”, os autores se mantêm analisando principalmente o Cinema Novo e dão um panorama sobre a chanchada, cinema marginal e o audiovisual contemporâneo dos anos 1990. O texto de Gomes analisa tecnicamente a produção do período 1950/60, ressaltando tanto o contexto subdesenvolvido de produção do audiovisual, quanto a estética e o conteúdo de contestação do atraso social visto em bolsões de pobreza no Brasil. Já Xavier, no artigo publicado em 1995, estabelece diálogo com a obra de 1973 de Gomes, ressaltando a “estética da fome” do período glorificado por Glauber Rocha e a criticando teoricamente e ampliando os horizontes do cinema moderno brasileiro ao chegar na crise dos anos 1990 e na consolidação da Rede Globo nas produção audiovisuais. Amplia, assim, a crítica feita por Gomes, de que a questão da audiência de nosso cinema é a grande entrada de produções estrangeiras (GOMES, 1996: 83).
No que diz respeito exclusivamente ao breve texto de Gomes que analisa o período de ascensão do Cinema Novo, muito influenciado pelo neo-realismo italiano e a Nouvelle Vague francesa, o autor ressalta que a chanchada foi o estilo predominante das décadas anteriores e que afundou com a falência do estúdio Vera Cruz. Com isso, e com a ascensão da esquerda intelectual no país, ascendeu o conceito do cineasta como formador de opinião e vanguarda artística necessitada de demonstrar a realidade brasileira (XAVIER, 2001: 42). No entanto, o texto de Gomes é menos abrangente, pois analisa pragmaticamente o movimento cultura cinema-novista e faz como que uma enciclopédia de diretores-autores e temáticas voltadas à realidade social e à redescoberta da literatura dos anos 1930, principalmente.
A conclusão de sua análise desemboca no raciocínio de que o problema encontrado nos anos 1970 pelo cinema nacional foi o grande aporte de filmes estrangeiros nas salas de cinema. É em parte verdadeira tal afirmativa, mas não reflete todo o problema. O período de Ditadura Militar (1964/1985) eclipsou muito da contestação de realizadores como Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade, Arnaldo Jabor e Nelson Pereira dos Santos e deu lugar à pornochanchada e ao Cinema Marginal. Somado a isso, a década de 70 foi importante para consolidar a televisão na casa dos brasileiros e a estética das telenovelas, o que foi decisivo para um esvaziamento da experimentação contestadora dos realizadores premiados com o Cinema Novo.
Ismail Xavier mantém diálogo direto com Paulo Emílio Sales Gomes em três momentos de “O cinema brasileiro moderno”. Ele afirma que Gomes está sempre marcado pela reposição do “subdesenvolvimento técnico-econômico” (página 10), o contrapondo ao texto sobre a “estética da fome” feito por Glauber Rocha em 1963 (página 11), mostrando-se temeroso com a falta de avanço do cinema brasileiro nos anos 70. Xavier finaliza, então, seu artigo dando ênfase no que foi defendido por Gomes. Com isso, vê-se que até os anos 1990 o Brasil manteve-se em fase subdesenvolvida de sua produção audiovisual, manipulado pelo mercado e perdendo espaço para a produção internacional, principalmente estadunidense. O que Xavier vem complementar é a inclusão da televisão brasileira no cinema, com fases “áureas” de sucesso com filmes em série de “Os trapalhões” e “Xuxa”. Nos anos 2000, o que pode-se dizer é que a Globo Filmes é a produtora que mais tem alcance nas salas de projeção e alcança as maiores bilheterias, através de filmes que possuem a mesma estética pasteurizada de suas telenovelas e seus atores e diretores. Segue, abaixo, trecho onde Xavier ratifica conclusão de Gomes:
“De certo modo, pode-se observar o esforço atual (‘Retomada’ de 1995) como reedição, em nova conjuntura, da mesma luta contra o fantasma do desencanto que era, em 1973, o pano de fundo da fórmula provocadora de Paulo Emílio: na economia do cinema brasileiro, o subdesenvolvimento não é uma etapa, é um estado. Dados os impasses atuais, não se pode vislumbrar ainda o momento em que poderemos descartá-la.” (XAVIER, 1996: 49)
Xavier não se mantém apenas na compreensão do período dos anos 1950 e 1960, com a queda da Companhia Vera Cruz e da chanchada e com a ascensão da estética da fome com o Cinema Novo. Analisa o período dos anos 1970, com o Cinema Marginal e o Tropicalismo, passando pela compreensão pós-moderna do ser humano dos anos 1980 refletida no cinema (“Eu te amo”, 1981, Arnaldo Jabor), assim como uma complexidade temática vista neste período (página 41). Chega, enfim, a crise de 1989/1990 com a Embrafilme e a produção audiovisual, refazendo seus ânimos com a retomada do cinema em 1995, com o filme “Carlota Joaquina”. O autor afirma que atualmente deixou de ser do cineasta a função de vanguarda política e de contestação, encontrando terreno a noção de nacionalismo da Rede Globo (página 47). Como dito no parágrafo anterior, nos anos 2000 pode-se entender o cinema nacional como uma extensão da estética global, com esparsos, porém esperançosos, filmes independentes que conseguem atenção através de festivais e da internet.
Em artigo publicado pelo cineasta Cacá Diegues, no jornal “O Globo”, no sábado 24 de setembro de 2011, intitulado “Todos os filmes em todas as telas”, ele afirma que a iniciativa do Estado da lei 12.485, que sucederia a Lei do Audiovisual (1994), unida à Receita Federal, é complexa. Para ele, a burocracia “burra, autoritária e imobilizadora” que está sendo implementada diante de projeto grande e complexo da lei 12.485 é um entrave ao cinema brasileiro. Está é, então, um outro aspecto do cinema nacional do século XXI. As iniciativas do Estado de incentivo à produção brasileira tanto na televisão quanto no cinema esbarram com iniciativas do setor privado de reserva de mercado. A concepção de Estado como um complicador esbarra em suas iniciativas. Da mesma forma, grande parte da produção audiovisual nacional recebe verba pública e se beneficia da mesma. Um debate, portanto, complexo em vista dos interesses privados e estatais que emerge nos anos 2000 para o audiovisual.
O que se pode extrair da leitura destes textos é que o Brasil ainda não obteve uma cultura de cinema nacional. Ou seja, ainda se dá muito mais valor e preferência à produção audiovisual estadunidense, que dominou o cinema mundial durante toda a sua história do século XX e XXI. A noção de entretenimento e diversão em família ainda é ir ao shopping assistir à “Avatar” e derivados, ao passo que se assisti ao filme nacional como última opção. O filme nacional que não está incluído na estética da Globo Filmes é tido como experimental, chato e incompreensível, muito da cultura equivocada extraída do Cinema Novo. Portanto, dizer que o cinema nacional está crescendo atualmente é dizer que a Globo Filmes está crescendo, com filmes como “Tropa de Elite”, “De pernas pro ar” etc. A cena cultural independente da televisão no país ainda é escassa, ao contrário dos Estados Unidos, que tem no cinema uma visibilidade maior que na televisão. O filme nacional recebe críticas da academia por “glorificar” a pobreza, através de filmes como “Cidade de Deus”, com estudos de Esther Hamburguer (ECA/USP), dentre outros. Mas o que tem-se é, sobretudo, uma iniciativa do Estado em conceder subsídios para o cinema nacional, ao passo que o setor privado constantemente a critica e também a usufrui. Diferentemente da França, por exemplo, onde o cinema francês vem em primeiro lugar, no Brasil ainda deve-se correr muito atrás para, assim como para acabar com subdesenvolvimento social e econômico, encontrar uma solução para terminar com o subdesenvolvimento cinematográfico.
Bibliografia:
1) XAVIER, Ismail. O cinema brasileiro moderno (página 7 a 50). Editora Paz e Terra: 2001
2) GOMES, Paulo Emílio Sales. Cinema: trajetória no subdesenvolvimento (página 76 a 83). Editora Paz e Terra: 2001
3) DIEGUES, Cacá (Carlos). Todos os filmes em todas as salas, in jornal O Globo. 24 de setembro de 2011
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