Tudo indicava que Márvio Rafael dos Anjos não daria certo. Entrou na Escola de Comunicação da UFRJ meio que no susto, sem saber ao certo se era aquilo que que-ria. “Sempre quis ser mais músico e escritor que jornalista”, afirma. Com um cabelo todo esculhambado e lápis nos olhos, até os 23 anos, em 2001, preferiu passar todo o curso só fazendo a social: shows com sua Cabaret no Laguinho e organizando os trotes, conhecidos como um dos mais temidos da Universidade (pelo menos essa é a lenda). Só foi conseguir seu primeiro estágio no último período, e é aí que tudo começa a ficar um tanto paradoxal para quem pretende conhecê-lo melhor.
Segundo Márvio, ele demorou tanto assim para conseguir um emprego porque ninguém o avisava de nenhuma oportunidade (lembre-se que nessa época Elizabete Cerqueira ainda não era a celebridade que é hoje). Os amigos o queriam mais para as festas. Quando, finalmente, lembraram-se dele, veio o filé mignon: Rede Globo. Entrou para trabalhar com esportes, o que considerava muito legal.
Mas logo veio a dança das cadeiras e o passaram para o RJTV. Apesar de estar na televisão, rejeitou as oportunidades que teve de aparecer na tela. Diz que não era a dele, ainda que já fosse acostumado com a exposição social e artística que conseguia com sua banda. “Não quero ser o cara da Globo que tem uma banda, e sim o contrário.”
“Nós todos somos celebridades para nós mesmos”, afirma Márvio
Depois de sua única experiência como jornalista televisivo, passou pelas reda-ções da Folha de S. Paulo e pelo falido JB. Agora, está como editor da versão carioca do diário gratuito Destak, sendo também colunista das sextas-feiras em suas versões paulista, mineira e carioca. Nela, Meu Destak, escreve sobre assuntos importantes, como sua última coluna de 06 de maio, Do Nobel da Paz ao super-herói, sobre Obama e Osama. Além do trabalho “sério”, tem outra coluna no blog Na Filó, da grife feminina Maria Filó, chamada O Infiltrado. Não podemos dizer que é um enorme sucesso, mas cria sua polêmica. Com um machismo muito peculiar, fala sobre mulher e comportamento, sob a ótica de um macho num blog mulherzinha. Quando escreveu sobre a Playboy da Cléo Pires, alcançou inacreditáveis 81 comentários o matando e o vangloriando.
Mas esse jornalista é pauta. Márvio afirma que dentro da profissão existe um “star system”, pois “nós todos somos celebridades para nós mesmos.” Com isso, mos-trou seu lado independente e rebelde dentro das redações, dizendo que “nunca tive vontade de agradar meu editor”, ainda que no fim “você não faça jornal pro leitor e sim pro chefe.” Sobre seu trabalho atual no Destak, ressalta que ele é gratuito, mas não me-díocre: “O tipo de produto que a gente faz não é o que tem uma gostosa na capa e um ‘arregaça’. Isso é um aviso a quem quer fazer publicidade nele.” Portanto, “eu não pre-ciso me facilitar para buscar o leitor.”
O roqueiro machão de plumas e paetês
Na época da escola, fez canto lírico e balé clássico. Não era muito pleiteado pe-las meninas, porque era o cara sentimental demais. Já na faculdade, depois de parar de praticar ambas as atividades, passou a ser requisitado pelas meninas justamente por ser o cara que fez canto lírico e balé clássico. Apenas questão de ponto de vista.
Saiu do canto e do balé, mas não deixou o sentimento de lado: em sua banda de rock, leva consigo o conceito de glamour rock. Trocando em miúdos, é um grupo que canta um rock mais performático, em uma verve Ney Matogrosso e Dzi Croquetes, literalmente vestindo plumas e paetês para as apresentações. É nessa banda, Cabaret, que consegue fazer cerca de 30 shows ao ano e gravar com Cauby Peixoto e Ney Matogrosso, tendo o último cantado uma música sua, “Dentro de você”.
O parnasiano pós-moderno num blog em profundo esquecimento
Márvio dos Anjos, que de anjo tem muito pouca coisa, é sobrinho-bisneto de um dos principais poetas brasileiros, o paraibano Augusto dos Anjos, ícone da literatura da virada do século XIX para o XX. Mas enquanto seu velho parente era considerado um pré-modernista há 100 anos, Márvio presa a literatura “não-moderna”, parnasiana na métrica. Apesar de tudo, ainda que trabalhe com um conceito de poesia um tanto rejeita-do atualmente, ele tem uma vida que, como já visto, não coincide com nada muito con-servador.
Em um ambiente onde tem a liberdade de trabalhar sobre seu tripé vital (jorna-lismo, literatura e música), todos apoiados pela base da palavra, Márvio não está dando uma devida atenção: no blog pessoal A nobre farsa, vivo desde 2001, é fato a queda no número de postagens ao longo dos anos.
No ano em que se formou em Jornalismo pela UFRJ – profissão pela qual ele acredita ser correta a não obrigatoriedade do diploma – o blog obteve 53 postagens. Mas logo em 2002 uma acentuada queda: apenas 15 postagens. Já em 2005 e 2009, apenas uma. Então, quanto mais suas profissões iam progredindo (jornalismo e música), mais o blog transformava-se em algo apenas decorativo. Podendo utilizá-lo como uma melhor plataforma para divulgação de sua banda e de seu próprio trabalho como repórter, este está em decomposição por causa do jornalismo.
Ser contrário é ser artista
Um homem que é um hétero machista em um blog mulherzinha, mas que ao mesmo tempo faz parte de uma banda de glamour rock (em si já um paradoxo) onde se monta de plumas, paetês, unhas pintadas e lápis nos olhos, já tendo até gravado com o pai da performance no Brasil: Ney Matogrosso. Depois, um roqueiro que já bebeu do balé clássico e do canto lírico.
Um homem que vai contra a maré na literatura: em pleno século XXI escolheu ser parnasiano, sendo isso mais evidente no contraste feito com seu parente mais ilustre, o poeta Augusto dos Anjos considerado há 100 anos um pré-modernista. Mas vivendo numa vida bem moderninha, a arte pode ser arcaica, mas sua plataforma não. É na inter-net que está sua poesia, livre para o acesso. Com familiaridade na rede (com facebook, orkut, twitter, blog), é de se estranhar que o jornal editado por ele seja fraco nesse meio: o Destak ainda não saiu do século XX em conceito de internet e jornal impresso: seu site é apenas uma reprodução das notícias saídas no dia pelo diário. Isso fez com que para o periódico Osama Bin Laden só tenha morrido terça-feira, já que apenas o jornal de terça noticiou uma morte pouco relevante ocorrida no domingo de noite.
Com isso, esta pessoa com múltiplas funções e, portanto, muitos contrastes é, na verdade, bastante coerente em sua intenção: “Quero ser lido e relevante.” Mas então nós não temos que compreendê-lo demais da conta, pois isso pode fazer com que seu charme vá embora. Portanto, temos que entrar “dentro dele” e ir com ele pelo seu caminho.
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