Sempre ouvi falar muito do filme "Os amantes da Pont-Neuf". Sabia quem
era a atriz Juliette Binoche por meio dele. Eu entendi que o filme era
de amor mais pelo título que entregava do que por alguma resenha, texto
que houvesse lido sobre ele. Sendo assim, era apenas um conhecedor
passivo e muito tímido das qualidades tanto do filme, como da atriz e de
seu surpreendente companheiro de cena, o mendigo apaixonado. Foi,
então, com grande surpresa, que cheguei a uma sessão do Cinerama e
descobri que, finalmente, poderia dizer que conheci o que significava o
amor neurótico daqueles dois numa ponte que está em reforma.
Em uma análise menos sentimetal - consigo? - e mais acadêmica,
não posso deixar de lado as metáforas que a obra conseguiu me passar.
Aquele mulher quer deixar toda uma vida para trás e em sua cegueira
progressiva é como se ela estivesse por enxergar toda uma realidade
diferente. O rapaz em sua condição de homem apaixonado tentando de todas
as formas prender sua amante e não deixá-la ir embora, quando e se
voltasse a enxergar. É como se víssemos literalmente os perigos da ficar
cego por amor. Doentiamente, ela se afasta da vida que teve. Ele,
doentiamente, quer prender esta nova paixão na vida que pretender
continuar tendo, mendigando na ponte.
O que é uma ponte? Algo que liga um ponto fixo a outro ponto
fixo, de forma aparentemente segura, sobre uma superfície perigosa. O
que é uma reforma? O que significa reformar a ponte mais antiga de
Paris, que atravessa o rio Sena? Reformar seria reorganizar, voltar à
beleza do período de criação, tirar o que está danificando as estruturas
e por tudo em seu devido lugar. É neste contexto que podemos transferir
todos esses conceitos para a lógica do romance dos protagonistas. O que
nos leva a querer cometer suicídio, como a protagonista, e decidir
abdicar de uma vida passada para viver em estado de mendicância? Apenas
uma reforma. O que nos leva a quer permanecer em uma condição insalubre,
como o protagonista? Ele se reformou, no entanto. Ele se reformou por
meio do amor pela mulher.
A grande transformação do filme se dá quando eles caem da ponte. É
quando eles saem do suporte fixo, que já era meio vacilante, que o
conflito maior se dá e eles finalizam o filme em união. Mas uma união
que não sabemos quanto tempo irá durar. Em suas vidas instáveis, a
estabilidade de um sentimento amoroso não teria lugar. Eles terminam o
filme abraçados na ponta do navio, igual aquela cena que conhecemos
tanto do "Titanic". A questão é que Titanics afundam, depois de sofrerem
um impacto muito grande. Nós também. Depois de sofrermos um impacto
muito grande, como eles, nós afundamos. Ela sofreu um impacto muito
grande parar ir ser mendiga na Pont-Neuf. Ele sofreu um impacto muito
grande para ir ser mendigo na Pont-Neuf.
É como diz Clarice Lispector, única referência bibilográfica
deste texto. Em entrevista à TV Cultura, em 1977 (ela morreu meses
depois), ela disse algo verdadeiro. Entrevistador: "A partir de que
momento, de acordo com a escritora, o ser humano vai se transformando em
triste e solitário?" Clarice: "Isso é segredo. Desculpe, não vou
responder. (...) A qualquer momento da vida, basta um choque um pouco
inesperado e isso acontece. Mas eu não sou solitária não, tenho muitos
amigos. E eu só estou triste hoje porque estou cansada, porque em geral
eu sou alegre."
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