quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Massacrar

“O desejo do puro é sempre hediondo.” Nelson Rodrigues

1) O que há de comum entre o massacre da Bósnia, Ruanda e Europa sob o domí-nio nazista? Qual o papel e de onde vem o poder do líder?

A intenção de “purificação étnica” é o que provavelmente encontra-se de elo entre os massacres descritos no livro do francês Jacques Semélin, “Purificar e destruir”. Tanto no ódio em relação aos judeus, equiparados aos bolcheviques, doentes mentais, homossexuais etc., para a ascensão ariana, quanto na ideia de “Grande Sérvia” e na oprimida e não-representada maioria hutu, vemos o objetivo de eliminar um determinado segmento, uma “raça”, uma “escória”. Na luta do “eles” contra o “nós”, um processo de legitimação da diferenciação é posta em prática pelos formadores de opinião dos respectivos países e povos, sendo eles jornalistas, professores e intelectuais em geral.

É neste cenário, quando a ideia de que o “eles” está ameaçando a integridade física, ideológica etc. do “nós” já está assimilada pela maioria, ou aparentemente assimilada pela maioria da população, que vê-se um terreno fértil para que um líder seja posto, dando ele um poder legítimo político para colocar-se em prática (entendimento lacaniano da “passagem ao ato”) o assassínio em massa, o genocídio, o massacre, que sobre o ser humano corporifica o poder (Vigiar e punir, Foucault).

Com a licença da palavra, eu gostaria de fazer alguns comentários sobre a situação de violência atual na cidade do Rio de Janeiro, que na semana da elaboração desta prova encontrou posição de destaques catastróficos, através da mídia e das autoridades, maior que o usual, haja visto que a estou acompanhando muito influenciado pelos ensinamen-tos obtidos em História do Mundo Contemporâneo.
Sendo assim, fico com medo de passarmos a ver os “traficantes” como “eles” e a “sociedade” como “nós”, achando que “aquela raça” deve ser aniquilada, para que o po-vo volte à sua normalidade.

Com isso – o apoio dos intelectuais e das instituições governamentais, que dão apoio a essa ideia e a transmite à população, fazendo com que o conjunto se tenha como ameaçado –, temo que se veja a questão do “marginal”, no sentido restrito da palavra, como alguém que pura e simplesmente deseja tirar o sossego de nós, ditos normais, ci-dadãos e sociáveis. Ou seja, existe um intrincado muito mais complexo, que envolve a questão latifundiária, educacional, moralista, econômica e do fato de a droga não ser vista como tema de saúde pública e sim como crime passível de punição, tendo-se o sis-tema prisional brasileiro como um grande agravante de todo esse esquema.

Então, quando uma autoridade diz: “vamos denunciar”, “vamos acabar com es-ses marginais”, “nossas famílias têm que voltar à paz cotidiana” etc., resguardadas as devidas proporções, me fazem lembrar os denuncismos e a situação infelizmente vividas na Alemanha nazista, em Ruanda e na Iugoslávia.

Não quero, com isso, dizer que a violência é legítima, por qualquer uma das partes, mas sim que temo que o massacre, o genocídio, seja algo autenticado no Rio de Janeiro, fazendo com que não consigamos ver que "nós" mesmos que excluímos esse "eles" que hoje dizemos que nos ameaça.

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